segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A sétima situação dramática


Parou lá na praça da Sé, na praça da Suplica, porque morava ali perto, estava fantasiada e ainda nem era carnaval, estava assim porque fugira correndo daquele lugar que não era dela, nem de ninguém, enquanto o tempo gastava em vão, ela gastava sua solidão olhando pela janela do ônibus as coisas que passavam ligeiro, as velhas cheias de estrias e rugas correndo com o movimento do ônibus, e vê aquela gente desconhecida somente uma vez e nunca mais, somente por alguns segundos. Os homens jogando dominó na porta, as putas fazendo ponto aquela hora da madrugada no frio que pede um cobertor de orelhas e não uma mini-saia, as casas que também corriam, os carros que também corriam sabe-se lá pra onde.
Encostada a cabeça no vidro sujo da janela do ônibus, ela viajava na escassês de um barco de quatro rodas e um motor, e ainda podia sentir o gosto ruim de galinha e terra na boca.

Mandou parar ali no ponto, na praça da Sé, na praça da Suplica, porque morava ali perto.
Descera sem olhar para o motorista, e o cobrador que havia roubado dela um tanto de sua beleza e o pouco de seu dinheiro suado.
Desceu segurando um chucalho novo e o vestido vermelho de seda e renda, como daquelas mulheres sexes, exibindo para os mais atentos um esmalte vermelho que havia pintado naquela tarde em que disputava a atenção do sol com a novela das 6, o sol que se foi dramatico, e ela hora ou outra prestava atenção na tevê, no que a mocinha falava, para repetir para os canalhas da noite, no tom de deboche. Ela que era vinte vezes mais esperta do aquelas mulheres do terreiro, e do que todas as mocinhas das novelas. Desligou a tevê.
Vermelho eram seus olhos e seu batom escarlate, desenhado meticulosamente para aquela que iria emprestar seu corpo, as rugas que iam aparecendo, a boca partida e ressecada, não só estava aprendendo a desenhar coisas herméticas, como agora só fumava no canto da boca, não negava fogo, o meio do seu lábio já estava partido sobre camadas vermelhas de batom.

Há dez metros e cinco passos dali ela avistava a sua casa, a sua varanda com seus xaxins e samambaias, as crianças sujas de ruas sujas, brincando na rua disputando espaço com os pombos, e ela quando passava rebolando suas ancas, suas pernas grosas, e o seu decote_ enxarcada de alfazema até a alma_, fazia espantar todos os pombos, deixando para a pivetada o espaço de fazer um gol e ser feliz.
Pegara a correspondência e entrou, a porta se fechou atrás de sí, acendeu a luz acendendo um cigarro, fumando no canto da boca, procurando com os olhos o cinzeiro para deposita-lo e poder se libertar daquela roupa sagrada e vulgar. Achou.
O cigarro que fumegava tranquilo, pousado.

Descalça, foi até a penteadeira do seu quarto, e tirou de cima do espelho o pano que sua ex sogra havia lhe dado dizendo que era indiano e que lhe trazia sorte. Não trazia não. Libertou o pano indiano do espelho e se viu.
Se ver não era o bastante para ela, contemplar a completava, ela era unica, ela era bela e tudo estava em ordem, as coisas estavam nos seus lugares, quem era para dormir já dormia, Oxossi que peitava Iansã, que dançava demais, a rainha dos trovões que não se importava, o dia que amanheceu cinza, as milhares de pessoas que ainda morrem, a luz enfraquecida do abajú, aganjú conju tebole, e a porta do quarto da sua filha entre-aberta estavam do mesmo jeito que estava quando saiu, o relógio, os tic-tac, a paçoca, e o mundo que girava sem lógica.
Há essa altura o seu batom já estava marcado no papel higiênico posto à mesa do criado-mudo com cheiro de oléo de peróba, os brincos pousados, as mãos cheias de dedos, os dedos cheios de anéis, bijuterias vermelhas, um brilhante ao lado de um 'solitário'.
Tirou tudo.
O seu vestido, os apetrechos, como num ritual bonito, até ficar nua. Libertou o cabelo do coque como o pano do espelho, caracóis criando formas delicadas em suas costas nua, ainda numa tintura fresca pintada naquele domingo de manhã.
Não escrevia nada há meses, e o santo cobrava sua obrigação. Foi por isso que ela foi até o terreiro, foi por isso que passou horas a fio dançando de olhos fechados, foi por isso que dançava enquanto dormia, que fazia a alegria daquele povo que iria lá só para comer e beber e gritavam "Reparrê!", foi por isso que comia galinha , e roía o osso deitada no chão, como um cão sarnento na frente de todos, a mercê de um erê moleque, que se ralava e se espojava no chão.
"Quem é a mais gostosa aqui?"
e os outros erês de chupeta na boca gritavam: "Mimosa!"

Quando a matéria se pegou naquela trigéssima sétima situação dramática, com todos rindo, principalmente o Jorge; mulato sacana. Saiu correndo, com roupa e tudo e foi parar no ônibus mais próximo, sem se dar conta de como estava vestida, como uma cinderela a la macumba.

_Você mudou bastante. Foi o que disse o Jorge, pai da sua filha, alguns minutos antes dela dançar no barracão. "Está mais bonita." _Completou a ironia.
_As pessoas não mudam, elas só envelhecem
_Ora... E envelhecer não é uma mudança?
_Não. Envelhecer é um ciclo natural.

Foi a unica coisa que disse sã. Enquanto ainda não era Iansã.

2°.


"De onde eu estava, podia ouvir os cupins comendo a minha porta, bem, eu estava na imensidão gélida da minha cama de solteiro, num hotel barato, de bruços, com o braço jogado no chão do quarto, um dedo segurando o cigarro que eu não fumo, com a cinza imensa, sem cair... Mentira, já chega de mentiras, eu estou numa lan house escrevendo essas bobagens, mas noutro dia, enquanto eu tentava dormir ao lado de Joana, eu ouvi os cupins comendo a minha porta, que seja! antes ela do que eu. A unica verdade disso tudo é que seguro um cigarro que eu não fumo, com a cinza imensa sem cair. A lan house também serve como um bar meia-boca, o que é uma ótima ideia, enquanto um monte de idiotas mentem na sala de bate-papo tomam uma cerveja para se inspirar mais e mais. Mais e mais mentiras, é disso que as pessoas gostam, de uma mentira bem contada, e enquanto esses idiotas contam suas mentiras, não sabem, mas são alvos de mentiras também, talvez esteja conversando com um homem barrigudo e peidorreiro, ou um republicano veadinho, e não uma loira gostosa que saiba manejar bem um boquete."

No dia seguinte da dura confirmação de Joana sobre sua paixão súbita e arrebatadora por aquele homem que a havia estuprado aos 22 anos, deixando nela algumas sequelas e um filho mongolóide, que hoje eles criam juntos_ Xavier viajou para uma casa de praia dos pais, em Buzios. Onde ele passaria cinco ou seis semanas, talvez menos; depende do tamanho da sua ferida. Nunca imaginou que sofreria tanto com a ausência de Joana, eles estavam casados há tantos anos que ele não poderia imaginar que tanto amor assim ainda existisse nele, e que tanto amor assim poderia doer tanto. Na verdade, com tantos anos de casamento o amor relaxou, como uma lycra, um elástico velho que ainda segura as calças do homem ou de quem quer que a vista, um chiclete que vai perdendo o gosto. Com eles eram exatamente assim, estava tudo desgastado, mas ainda havia o comodismo cumplice, as quinquilharias do costume de ambos, Xavier; como todo homem, jamais imaginaria que esse corte viria de Joana, Joana que parecia lhe amar, Joana que não bebia além da conta, Joana que cuidava da casa, Joana que cruzava as pernas e balançava os pés, como uma puta, quando uma outra mulher ficava bricando de jogo do siso com ele, ele que sempre perdia de propósito e desviava o olhar para Joana, no final das contas a conta era sempre dele. Pra onde foi todo esse ciúme? Pra onde foi todo esse amor? E que história é essa de se apaixonar pelo cara que a estuprou há anos atrás? Que papo esse de que se sentia sufocada? Que merda é essa? Onde ele estava esse tempo todo?

Provavelmente na sua confortável poltrona assistindo a filmes, futebol e canais de televendas, comprando grill pela internet no sábado a noite, enquanto Joana lia um livro, ou fingia gozar.

Xavier resolveu descer da cruz, e pensou que a numerosa quantidade de pessoas em Buzios amenizaria a tristeza pungente, frenquantaria as praias; ainda estava um coroa enxuto, as casas de shows, já que ele tinha um emblema performático, as vendas esótericas, já que ele tinha um ar nosense dos anos oitenta e ainda trepava ao som do Led Zeppelin, voltaria até a fumar maconha, que se dane a Joana! Ele iria agora curtir.

Todos os prazeres se resumiriam logo em conhecer uma linda mulher, era disso que ele precisava, mas as tentativas passavam por volta do alçapão, mas nunca entrava, era sempre uma bola fora, a minhoca que boiava na agua pendurada no anzol, os peixes que passavam e entortavam a boca, o queijinho de minas que ficava podre na sua ratoeira cansada. E Xavier que sempre se encontrava bêbado e lesado por um ou outro esperto que se fazia de amigo e lhe roubava quando esse não estava mais em seu estado normal. A verdade é que estava ficando velho, não dançava tão bem assim, e tossiu muito quando fumou maconha, além de ter ficado neném. Fumou maconha com um homem que ele daria uns trinta e poucos anos, um autêntico pescador Buziano e albino, de cabelos longos e loiros, de olhos esverdeados como dois rubis e sempre sorridente. Um nativo, descedente de polonês, acho que o tataravô.

Uma noite dessas tantas noites de sábado, que é o dia mundial da trepada e do ócio, caminhou pela praia, passeou pela orla Bardot e foi ao cinema, um filme horrivel passava, saiu no meio e foi procurar um bar tranquilo, longe de toda essa gente que se repete como disco arranhado, ainda por cima irritante. "Fique longe das multidões, isso não melhora o astral de ninguém, na verdade, só te deixa mal-humorado. Compre bons livros, é o melhor a se fazer." Disse o pescador.

Xavier pede uma cerveja gelada e passa os olhos no livro que comprou, é Bukowski, para talvez piorar o seu estado, na verdade, ele deu uma lida na livraria e se sentiu bastante cumplice do mal humor da página 147, como se ele tivesse escrito. Taí, gostei desse cara, Joana com certeza conhecia esse tal de Charles Bukowski, ela era muito mais culta do que ele, ela é uma boa mulher, linda, inteligente, e traidora. Uma mão de um braço curto tocou no seu ombro quando ele estava levando o copo de cerveja à boca. Virando imediatamente viu aquele rosto sorridente, uma boca imensa cheia de dentes e dois olhos que de parecido com rubi só tinha a cor. Era o autêntico pescador Buziano e sua linda esposa, uma loira sinuosa de postura elegante, mas com um ar de bêbada, os grandes seios espanhois berrando no decote do vestido preto.

"Mama aê, ô mama aê!"

-Como é que você está companheiro?

-Hã? ah, bem, eu... eu tô bem. E você?

-Tudo otimo. Essa é minha esposa, Lilia.

-Muito prazer Lilia.

-O prazer é sempre meu.

Se pudesse ter visto os olhares que ambos trocaram, eu não precisaria escrever que Lilia acariciava o pau de Xavier enquanto eles jantavam, e enquanto seu marido falava de pesca e de livros também, desabotou o botão da calça, deslizou a mão no zíper, desceu, o pau saiu pra fora e ela acariciou com a sua mão gelada despertando em Xavier um gemidinho suave, ela iria masturba-lo ali, ao lado do seu marido, que por sinal era uma boa pessoa, mas Xavier não queria saber disso, era um homem com muita porra acumulada ao lado de uma mulher infernal que batia uma pra ele.

Duas mãos se encontram em volta dum pau teso, era a mão do pescador que também queria bolinar, se tudo isso pudesse ser visto, eu não precisaria escrever que no final das contas os dois transaram a três, e foi uma transa muito boa.


-Eu preciso te contar uma coisa. É tudo armação do sistema. A bebida também é uma droga, destrói a pessoa, e há o alcolismo, mas mesmo assim é uma droga lícita, sabe por quê? Porque é industrializado e o governo ganha com isso, exportando. Já o cannabis não, a maconha uma vez legalizada, todos irião começar a plantar suas mudinhas nos seus quintais, porque ninguém é besta, e quem não tivesse quintal plantaria em jarros imensos e apoteóticos, o comércio iria cair. Já o uísque... Bom, não tem como plantar uísque no quintal, nem em jarro nenhum...

-Você está usando drogas?!

-Hãn? Não! Não mãe, eu só uso coisa boa.


Os lixos estão na porta; um amontoado de coisas usadas e azedas embalados em sacolas plásticas azuis, latas de tintas velhas e coisas enferrujadas também recorda o lixo. Santos em imagens e corsários enfrentam o lixo e assombram casarões.

Tudo é luxo, até a misanga que faz força para brilhar no escuro (o sol no centro do meio dia.)

Tudo é lixo. A dor que vira pó, as pessoas melhores que você, a rosa muda e bonita que por querer se destaca, flor no lixo, sã e só.

Todo luxo é um lixo bem tratado.

Peitos fartos e fortes

Maria da beleza
Dona de perdas e ganhos

dos homens de familia, dos garotos que ainda não ejaculam

das mulheres que não amam

de outras tantas que amam demais

Dai-nos atenção, porque a humanidade é o seu futuro estupido rebento.



José sente-se sufocado com o cheiro da morte, ela não fede, é bela e cheira a incenso de jasmim com um pouco de detefon, a morte tem marcas roxas no seu corpo, é branca e tem cabelos cor de pôr do sol...
José sente-se agoniado com a presença da morte, vivíssima na sua frente, primeiro foi a respiração, lenta e tranqüila, depois foram os olhos abrindo-se aos poucos como se ela estivesse acordando de um longo sono, a morte boceja, abrindo uma bocarra descomunal e completamente desdentada, a morte espreguiçasse abrindo seus grandes magros braços, com se quisesse abraçar o mundo. José continua intacto. Onde está fica olhando para Maria Deprê, ali na sua frente, nua, sentada na maca, olhando para os desenhos feitos de canivete no seu corpo.
-Nossa! Estranhos... O que querem dizer?
-Eu não sei... Eu não sei o que eles querem dizer Maria...
-Exótico. Taí. Gostei!
Maria Depressiva estava branca que nem papel oficio, só os seus cabelos cor de pôr do sol dava cor e vida para o seu corpo.
-É... Por que é que eu tô nua?
-Você, você... Não lembra de nada?
-Lembrar de quê?
-Nadinha de nada?
-Meu Deus José, pra quê tanto mistério? Que cara é essa? O que aconteceu?
-(...)
-Vc ta estranho... Que lugar é esse?
-Isso aqui é um necrotério... É onde ficam as pessoas mortas.
-Eu sei. Eu sei o que é um necrotério. Quer dizer então que, eu... Eu morri? É isso? Eu tô morta? Responde José!
-Não sei. Acho que sim!
-Você também?
-Não, eu não.
-Então como, como é possível? Você fala com os mortos?
-Não, nunca falei.
-Você também não morreu?
-Não.
-Tem certeza?
-Tenho.
-Então eu também não morri!
-Morreu sim.
-Ah é? Porque vc tem tanta certeza?
-Porque eu vi você morta.
-Viu? Viu como? Como você ta vendo agora?
-Sim, só que dá outra vez você não falava, nem respirava, nem bocejava. Você estava morta.
-Você bebeu José, ta cheirando loló?
-Eu estou são.
Ai de mim santo Expedito, o que queres com isso? Sei bem que isso é uma vertigem minha, sei que é tudo imaginação da minha cabeça doentia, mas ela parece tão real, tão verdadeira, me fita com verdade, com aqueles olhos verdes que arrebenta o meu coração, e com aquela boca apelando um sorriso, aquela voz que me lembra sons de cama, ela me olha nos olhos como se quisesse fisgar de mim a verdade que nem eu sei se existe. Agora ela cruza as pernas, escondendo o sexo e seus pêlos pubianos, ela balança as pernas como num ritmo de tango, põe os cabelos para apenas um lado do ombro, o direito, tudo isso sem deixar de olhar pra mim, santo Deus! Onde isso vai parar? – Zé.
-Eu.
-Você tem cigarro? Eu tô com uma vontade looouca de fumar.
-Cigarro? Deixa eu ver... (Procura nos bolsos) Ah, tem um aqui.
Eu acendo o seu cigarro com o isqueiro que vc me deu antes de morrer, e o fogo em muito poucos segundos ilumina o seu rosto como o raio da celebrina, celebrinas do edén.
- Continua amor, confesso que está interessante a história da minha morte.
- O que você quer saber?
- Como eu morri, eu não lembro como eu morri.
-Tem certeza que você quer saber?
-Tenho.
- Você foi assassinada.
Ela fuma olhando para a brasa cor do seu cabelo queimando a ponta, seus olhos ficam lacrimejados, e parados no seu corpo riscado a sangue desenhos estranhos. Põe o dedo indicador na testa analisando a marca da bala.
- Assassinada? Tiro?
-Dois.
- Aqui... (Passa a mão na testa) E aqui... (Passa a mão no que restou dos lábios) Na boca também?
-Na boca também.
-Caralho, que desgraça. Eu devo ta horrível. Você tem um espelho aí?
- Não.
Agora a morte cheira a cigarro, jasmim e detefon.
-Mas você continua linda...
- Sei. Você só ta falando isso pra eu não ficar triste.
-Eu tô falando a verdade.
-Jura?
-Juro.
Ela fuma até a bituca do cigarro, e o apaga na veia do braço esquerdo.
-Meu corpo dói, parece que eu levei uma surra.
-É que você foi jogada do sétimo andar.
-Puta que nasceu! Do sétimo?!
-Foi. Você não lembra mesmo de nada? Nadinha de nada?
Ela agora fica calada, conversando com o teu silêncio, esse silêncio que me mata, me esmaga, me mastiga, depois cospe como se eu fosse um resto de nada.
-José.
-Quê?
- Me responde uma coisa?
- Fala?
-Foi você quem me matou?
José respira o ar puro de fumaça, detefon e jasmim, procura ser sereno.
- Não. Essa é uma pergunta que eu nem sei te responder.
- José, você não me mataria, mataria?
-Não, nunca.
-Então quem?
-Eu não sei meu anjo, eu não sei.
- Se um dia você descobrir quem me matou, você vinga a minha morte por mim?
- Vingo.
- Promete?
- Prometo.
- Não me deixa cair no livro do esquecimento?
-Eu não vou deixar.
-Eu não quero morrer... Ninguém me avisou que eu ia morrer, eu ainda tinha tanta coisa pra fazer, eu queria ser ativista, eu queria ser mãe, e o concurso de fotografia? E a minha tatuagem? E o rock? Eu não vou mais dançar rock ‘n’ roll?
-Parece que não meu anjo.
-Isso não me parece justo.

Meu peito está amassado como uma lata pisada. Eu não vou chorar, eu não vou chorar...
-José.
-Oi.
-Eu tô com sono, isso é normal?
-Talvez.
-Me dá um abraço?
E ela estende os seus grandes magros braços como se fosse Jesus Cristo, e eu a aceito, eu abraço a morte, eu beijo na boca da morte, um beijo quente num corpo frio, que me lembra vodka, e ela volta a me abraçar dizendo: - Não me deixa sentir pena de mim mesma onde quer que eu vá parar, eu não quero me tornar uma lembrança triste nessas tardes vazias de domingo, eu não quero ser uma Joana Darc, uma Olga Benário, ou uma Pagu que foi se apagando aos poucos, que ninguém mais se recorda.

- Olha, pelo menos pra mim você vai ser inesqucivel! Eu vou ser o teu Luis Carlos Prestes, teu Oswald de Andrade... E tua fé. Você vai ser canonizada por mim. Vai ser a Joana D’arc. do meu coração!
-Eu te amo.
Maria Depressiva deita na maca e morre.

Minha avó falou assim: Se fosse chic eu andava nua, o desmazelo é o meu charme. Falou assim andando, seguindo os passos daqueles que só esperam a hora de morrer, sustentando a velhice de um rio que não dá na praia, arrastando seus chinelos de dedo pelo chão aspéro da cozinha. Minha avó não tem paciência.

Mas a morte é isso, e não passa disso; é menos um. Na hora da morte o nosso corpo fica sucetivel a tudo que pode ser verdadeiro, é como adubo, qualquer coisa vira cicatriz, ou uma flor. Uma musica que tocou numa rádio não muito sintonizada, em agudos roucos, meio súplica para ser consertado no meio de tantos bêbados loucos que não estão nem aí, nem chegando. E mulheres aspirantes a carpideiras, de luto até o punho fazendo rendas dominicais todas juntas exalando um cheiro discreto e inebriante de pólvora e amor engordurados em seus seios fartos e secos, como azulejos portugueses. Há muitos e muitos anos não consumidos por linguas francas de adolescentes débeis, as mulheres lembrariam ali até então da ultima vez que a chuva desabou sobre seus corpos nus, naquela tarde, naquele medo de ficar nua e se descobrir mulher comendo a sí própria, com os olhos parados no espelho de efeito_ que para se enxergar é preciso se mirar sem se irritar, é algo como sofrer sem sentir dor, o sofrimento é opcional, é ficar chateado sem se concentrar no que te chateia. Algo bem dificil, mas que há quem seja adepto.

Troque os dedos por linguas meninas. Desbravando telhas de aranhas adormecidas e respirando o mofo cruel do tempo inevitável, o espirro seria anunciado pelo reis de copas daqui a três dias.

Daqui a três dias se fazia o futuro que ninguém sabia, para depois tudo voltar a ser novo e velho, novo e velho de novo, e todos os jovens que morreram na guerra, e o Bush que toma petróleo no café da manhã, e os hipócritas e toda sujeira daqui a uns cem anos continuaram aqui.

A imprenção que temos é de que tudo fica, que com um tempo teriamos mais pessoas em nossas vidas, seria o natural. Mas não é dessa forma que as coisas acontecem porque nem tudo segue a lógica, muito menos a vida, com o tempo o numero de pessoas que nos cativa cai junto com a bolsa de valores morais e só resta você e suas experiências. É o que eu chamo de muita coisa. Porque é mais seguro se masturbar, mesmo que você, como eu, ache o sexo a melhor coisa do mundo, mesmo que com isso você acabe sustentando uma imagem trágica, uma dignidade patética e um egoísmo só seu.

Nesses dias assim, de brumas e brahmas, banho quente vira depressão, mas você só quer se divertir.

p.s: Todo mundo que você conhece vai morrer um dia.
























segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Qualquer dia desses...

Eu escrevo um poeminha na lingua do P.
falando mal de todo mundo.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

A minha maior dor...

É não saber qual o momento exato que eu estraguei tudo.
Pronto. É isso que ta me encomodando.
Uma vez que eu fique sabendo, eu não mudaria nada, porque quando você muda alguma coisa, muda-se todo o resto, todo universo.
É o que as pessoas despertam umas nas outras; mudanças climáticas.
Todo mundo sabe um ponto de definhar e vicejar o ego de alguém, é para isso que servem as pessoas.
De vez em quando o amor trás a tona o que há de melhor.

Vulva in flor

Eu achei essa flor lá na serra, puis no bolso do meu casaco anacrônico, mas acabei por perder... eu sempre perco pequenas coisas.
Curioso que ela parece com uma boceta.

Serra do São José, Capelinha e cansanção.



Deus é um otimo anfitrião, ele só é meio timido.
Na semana retrasada, numa semana de muito sol e céu azul, os grazzers e eu subimos a serra, fomos para a Serra do São José do Itaporã, lugar que fica na cidade onde eu moro, sendo que é vizinha da cidade dos caras.
Hã?!
Pertence a Muritiba, mas fica muito perto de Cruz das almas.
bah, os caras são pirados, e eu vou junto. Decidimos ir andando, e decidimos assim de ultima hora, Vambora? Vambora!
Foi desse jeito!
algumas horas para pegar comida, bebida, drugs, arrumar as coisas e partir.
Confesso que eu não tinha noção do quanto iriamos andar, mas por sorte nossa, essa noção passou com um FF de microssistem, já que achamos um carona de um homem que passava com uma kombi.
Descer até o diabo ajuda, subir que é foda.
Chegamos lá já se fazia noite, e subimos a serra, desbravando a mata, e encarando as pedras, mal humor, cansaço e discussões.
Erámos sete, e chegando lá era como se todo o redor fosse universo, e nós sete os planetas importantes.
Deus deve morar aqui, deve ser daqui que ele vê tudo, pena que eu não posso ver, mas eu acredito que a tecnologia ainda chega lá. Na verdade, eu nem queria ver tudo.
As vezes eu achava que tava na lua, num planeta oval, suspenso no ar, em cima de uma pedra engraçada e cabeluda. Eu tinha medo de não conseguir voltar...
Lá no cume era a perfeição, do alto do cume dava para ver todas as cidades vizinhas, as luzes da civilização bem distante, distante de tudo, podiamos tudo ali, podiamos gritar, fumar, tocar o putêro, tudo! e berramos! e bebemos!
Ventava pra caraleo lá no cume, foi merecido aquela visão depois de uma dura subida. Havia uma capelinha lá, eu gostaria de saber quem foi o obstinado que construiu uma capela bem no topo da montanha.
Conta uma das lendas do lugar, que o padre da cidade foi chamado para inaugurar a capela, mas quando ele viu a altura do lugar, ele disse:
"O diabo é que sobe aí, não eu!"
E não subiu!
destelhamos o lugar, e entramos na capela para passar a noite, porque era muito frio lá em cima, o vento uivava. havia umas velas apagadas lá, algumas cadeiras de plástico, umas imagens de santo, e 25 centavos numa cestinha.
Bêbados, fumados. todos bodiados na igrejinha.
Gabo foi pegar gravetos para fogueira de noite e acabou caindo numa armadilha de cansanção, ficou todo inchado, perdeu a voz, parecia um monstro! Coitado. Ele tinha alergia, segundo ele, parecia que o crânio iria estourar, o nariz ficou de bozo, a orelha de duende, os olhos de barbapapas, e ainda por cima foi mijar, porque é bom passar mijo no corpo para cortar o efeito, ele não só conseguiu a faceta de não consegui mijar, como ainda por cima pegou no pau com a mão que havia pegado na cansanção. Ele disse que até o pau inchou!
Manhã seguinte: Preparar a comida na fogueira, fazer tempero, e se virar nos trinta.
Eu levei uma tomatada na cara, quando tomava banho de sol. Eu era o bicho preguiça reclamão. Levei uma tomatada no olho só porque eu adquirir o "esnobe tipo A" da Carlota Joaquina pela internet, esse submarino de dólar...
E os papéis ainda continuavam espalhados em volta de mim, sendo levados pelo vento levado, uma imagem ferrenha, sem tomatadas, simbólica me parece.
Naquele dia depois do almoço, no alto do cume, trocaríamos todos os dentes por um cigarro Hollywood.
Era o desejo secreto de cada um.
Partimos umas dez horas da manhã, e dessa vez sem carona nenhuma. Foi o inferno! Nunca andei tanto em toda minha vida, ponha aí 20 km no pacote em puro sol quente. Pois é, beibe. é. Fora a descida da serra.
Havia acabado comida, havia acabado água, havia acabado tudo. Só restava o mal humor cumplice.
Se não fosse os milhos roubados, frutas do pé, como: cajá, acerola, manga, laranjas, e os copos d´aguas gelado que as bondosas meninas de peitinhos nascendo nos dava quando interrompia suas brincadeiras de pula corda.
Mas foi massa, e dia 02 tem mais. Dessa vez, é claro. Vamos ir e voltar de carro, porque eu não matei meu pai de badogue.
Ah!
Encontrei pelo caminho um cogumelo.
Pense aí.

Tira-brisa de férias.

Tô trancado aqui no banheiro de azulejos encardidos, escrevendo para não me esquecer; como Narciso, que só se olha.
Banheiro me dá vontade de fumar, e quanto mais sujo o banheiro, mas eu decaio no fumo.
Fumo, que é o misto de coragem e menosprezo, é o causador daquele gosto amargo no canto da lingua.
O menosprezo é mal hálito, e pipoca velha no dente é como muita gente por aí, são lembranças que vem à tona por acaso.
Mas parecia que Dostoieviski estava lá e nos contou em encadernados verdes bem mais tarde. Na verdade, crime e castigo perde.
Era uma cozinha de azulejos engordurados... No espiritismo, as almas perdidas se alojam nos azulejos, feito gorduras. Por isso que ali pesava tanto, a desarmonia e a geladeira pifante moravam ali, numa fritura acre de acarajé, um cheiro quente e picante que ainda por cima fazia-me lembrar da porra da Bahia, e do tesão que eu sentia pelas negrinhas de sovacos semi-raspados.
Um cheiro de angustia no ar... mas, que nada. Angustia sôa frio, portanto não fede.
Aquela casa toda cheirava a dia perdido. a imundice capaz de chocar a unicef.
Ali era o meu tira-brisa de férias, onde eu ia me divertir um pouco. Não na casa_ ali eu mal sorria. Mas na cidade, onde eu nutria um carinho sem grandes palavras.
A cozinha era suja e escura, o meu colchão estava como sempre posto num chão sujo de cimento e terra, e martelo e prego e sujeiras.
Os lençois... bons lençois lavados pela primeira vez que eu estive lá e nunca mais, eu só não conseguia sentir o meu cheiro.
Mas os lençois estavam lá, no sofá azul, todos dobrados um por cima do outro, e enfim, por cima de uma almofada, dessas que ficam de enfeite na sala.
Era porque minha tia estava com sono, e o sono lhe dava o luxo de ser boa. As baratas caiam do telhado, passeavam por mim. Muitas vezes dormir com a certeza que no dia seguinte acordaria com a boca inchada como a da Angelina Jolie.
Eu ainda suporto me humilhar, economizar brio, ter pena. Pena daquelas pessoas desajustadas, naquela casa que um rouba o rivotril do outro havia viciados demais.
E as baratas caiam como chuva, o que estavavam fazendo no teto? os ratos passeavam a procura de espectros de comida.
Eu só ouvia o barulho se espatifando no chão, era tudo brêu, eu só esperava chegar, e andar pela cara plácida que eu só tento esconder com um lençol fino até ficar com falta de ar, e assim finalmente dar a cara para as baratas baterem.
Não podia acender a luz, também não podia ficar sem dormir, nada a temer.
Quanto mais eu conheço as pessoas, mais eu gosto de mim. São todos infelizes em suas camadas estáticas, em versões puritanas_quando não as mais sórdidas.
Quer saber?
Eu quero mais é que todo mundo mergulhe de cabeça em suas vidinhas razas.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

De um email para o Guilherme.

As coisas não vão nada bem, mentira, é mentira minha... mas veja bem Gui, eu tô passando por um processo que os astrológos chamam de inferno astral... os budistas eu não sei, já eu, na minha_nem sempre relevante_ opnião, chamo de chateação em tempo. Tudo tem seu tempo de uso, e acredito que com o amor é assim, tudo é perecivel, e por eu ser uma aquariano muito ardiloso acho que as coisas deveriam ser mais práticas, e que se o amor tivesse alguma ligação com o coração.. o que os românticos de culpa querem acreditar, e o que eu me nego bruscamente.
Acredito que tudo está na mente, foi da boca pra fora que uma vez ele me disse que preferia não ter me conhecido, não falou de coração não... que se foda os orgão do corpo, que se foda se você os sente ou não, quer saber? vá barganhar com a tua avó! Acho mesmo, e acredito nisso mesmo com o olhar critico e severo daqueles que amam o folhetim, daqueles que amam sofrer, daquela multidão que é unissona, músicos descobrindo melodias sincopadas... é porque eu sou aquariano, e por isso acho que o coração deveria está ligado ao intestino, o amor é isso, não deu certo? Cague! Encarne o personagem da visão bestial, pq você há de concordar comigo meu caro amigo Guilhêmerto, que não há nada mais patético do que um homem cagando...que ofensas... pq estou falando em bosta? mas onde eu estava? ah! sim! limpariamos tudo que não faz bem ao nosso egoísmo(organismo), com o amor deveria ser assim, assim não diriamos mais: Eu estou apaixonado!
Assim diriamos: Eu estou com prisão de ventre!
Fui falando assim de signos... quando não há signo nenhum, escorpião, sagitário, capricórnio, sei lá. fica um papo otário, como a luz dos postes acima da minha cabeça, do meu topete mais curto que o seu. maresia... hoje até o computador ta lento... meio maria bethania... e tudo vai ficando muito bom...acho que devo parar. mas nem era isso que eu queria dizer..O clima aqui em minha casa ta péssimo, meus pais brigando o tempo inteiro.. a minha mãe deprimida como o cão. Eu não sei confortar as pessoas, e acho mesmo que gente é um bicho muito estranho. Por outro lado Gui, tô passando por um processo seleto de conhecimento e auto-conhecimento, tô aprendendo com as mulheres... tô aprendendo com os homens, experimente segurar um bebê logo pela manhã, pela manhã eu sinto muito sono, e eu ainda tenho tempo de beber e sofrer a noite inteira, ce sabia?
Transando por calor.. lendo todo tipo de livro, pq a delicia está em todo tipo.. absorver o máximo que puder do outro. Então o ser humano é isso, e um ser humano por mais completo possivel deve ser mais que isso.
O ser humano é uma colcha de retalhos; de cada cara, cada palavra, cada atitude e frases feitas...
O que é filosofia? descobri que a terra é redonda?
ah, me poupe.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Mulheres, não se enganem!


Hoje em dia não existe mais homens como o Mário Brós.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Aquarius

O bom de estar deprimido e ser aquariano é isso.
A gente enjôa de tudo.
Até da depressão.

Travessão.

Eu estava sofrendo de amor, estava não; acho que ainda estou. E eu, na minha humilde opnião, acho sofrer de amor uma coisa cafona, é, é brega. É meio Maysa... "O meu mundo caiu...", meio Maria Bethania, latina e louca, andando de madrugada procurando o amor em bar em bar, naquela tentativa de acha-lo bêbado e servir de reboque, ou rodeado de putinhas de all star cano longo, e com umas unhas cumpridas num tom de esmalte vermelho, aí ela só pede para ele consumir uma hepatite.
Acho isso travessão.
Mas eu sou humano, e não estou privado dessas coisas. Então eu amo, e uma vez amando, eu sofro.
Isso me encomoda, não o fato de não ser correspondido, mas o fato de estar nessa merda, daria tudo para isso acabar logo, e eu sei que isso vai acabar, eu sei bem que um dia isso vai ficar para trás e eu vou rir.
Usei do metódo da desintoxicação, porque meu sentimento era tóxico, mas não deu muito certo quando eu havi desfilando por aí, transpirando amargura e deboche. Tive uma recaída, e bebi, bebi até cair.
Me via no reflexo da agua sanitária, como um Narciso bêbado, eu não sei se vocês sabem, mas Narciso se odeia, ele se olhava na água apenas para saber que existia.
Eu poderia dormir no banheiro se eu quisesse, assim eu não vomitaria toda sala de estar, típico de novembro no mercado de pulgas.
Quer saber? Já foi tarde.
As pessoas fazem da dor um grande motivo para sofrer, e não é nada demais, é apenas uma dor, uma dorzinha... Estamos vivos, podemos tudo! Até mesmo esquecer quem um dia fazia de cada trejeito uma festa para os meus olhos, quem parecia que tinha a primavera brotando da boca, quem um dia tinha um beijo doce como a partida, quem já tinha feito moradia nos meus olhos, e que agora parte assim, como se tudo que a gente passou não significasse nada.
Viu como sofrer de amor é brega?
Eu que só queria dormir cedo, amanheci. Saudade não é gostoso como trufa, saudade do cheiro de cerveja adormecida, do hálito de licor de jabuticaba, do seu fumo...
Mas não vou me fazer impotente diante dos meus sentimentos, acho que isso ninguém deve. Mudar do amor para indiferença é um pulo.
As pessoas criam estratégias para se sentirem bem, para lidarem com o sofrimento, algumas bebem, outras se amarrão em letras de musicas abandonadas que falam tudo sobre seus sentimentos, só para conseguirem progredir. Outras mais choram, se descabelam, mas no final todo mundo acaba dormindo.
Eu já passei muitas vezes por essas estratégias, e todas as vezes ela me parecia perdida. Se não há mais rua para continuar, crie.
Não há criação.
Deus.
Nos der a chance de entender o que você fez.
E nesse mês de outubro meus olhos passam por fases da vida, por estórias compridas, por emendas, fotografias, porque as fotografias muitas vezes são mentiras emolduradas, um homem blasé é uma puta velha.
Quer saber? Já é tarde.
E pra mim, hoje é o que eu chamo de tudo. Foda-se.
Você vai passar como uma dor de dente que eu pago pra não ter; capitalista que sou.
O problema todo é que estávamos cavalgando nos nossos próprios egos, e nessa estória de saudade, vai haver quem chore.

Eu pisei nos teus pés de barro.

Todo sofrimento é um ciclo que vai se acabando aos poucos e serve para se salvar depois, eu já estou começando a me arrepender de dar conselhos a minha mãe, estou a deixando amarga.
Ela me dizia na sala, depois de ter chorado muito lavando a louça, ela decorava mentiras para conseguir acreditar.
"Me separar? Separação? Nem pensar! Não vou dar esse gostinho aquela puta, eu vou sou seguir aquele seu conselho de hoje de manhã, aquele sobre as lágrimas. Eu ainda tenho muita coisa para fazer nessa casa, eu quero provar do bom e do melhor, e esfregar a cara dela no meu joelho áspero, é claro. Ainda falta trocar os pisos, os azulejos, as cáries, uma poltrona para aquele canto, hidromassagem verdadeira, uma japonesinha engraçada que me conte estória pra dormir, vou contratar uma russa ruiva que fume comigo escondido no cinema, vendo bobagem, eu ainda quero uma homenagem... Um homem que me ame e me coma com medo de me perder no outro dia. Não... Não quero ter independência, autonomia, o escambal! Quero ser dona de casa demasiada, como aquelas dos anos 20, aquelas sim era bem mais provável um bloco de construção não cair em sua cabeças. Não eram cansadas, como eu sou hoje..."

E minha mãe me dizia isso, e eu fingia prestar atenção, enquanto isso, um telejornal das sete horas da noite exibia imagens de familias no sertão quente; eles nunca virão um incêndio, mas naquele dia suas casas de palha e pau-a-pique pegavam fogo, labaredas de calor anunciando a chuva, nuvens carregadas; que são da cor do cabelo de minha avó, mãe de minha mãe.
Perdiam o pouco que tem, lesados pelo sol, amigo dos cactos salgados.
Perdiam a pobreza da esperança, enquanto minha mãe no auge da sua concepção infeliz, no topo da sua solidão carrancuda, tentava enganar sua prole com a sua tristeza mal disfarçada e com o seu nariz exdruxulo.

A nova moradora.

Para os desatentos, como eu e M. era um dia perfeito para confundir mangueira com mar.
Pacheco desenrrolava uma prosa com o seu Zé, enquanto bolava seu maratá_cigarro dos velhos que os novos usados ousam fumar_ Papos trágicos.
Mas o velho Zé então apreciava poesias, e mastigava o seu fumo, como chiclete, não aturando as lamúrias de Pacheco._Ô homenzinho infeliz! desperdiçando intelectos carcundas e retrocessos, uma moral apaziguada que hoje em dia ninguém mais usa.
Velhos tempos em que se ouvia Cartola numa rede de navegar. Cartola na cabeça e fumo entre os dentes. Cuspiu._Um enjôo.
Vento frio que vinha do norte moviam moinhos antigamente, e os dois amigos lembravam de tudo isso com a boca aberta, brisa nas dentaduras mal coladas
A rural verde e branco havia parado há uns dois metros dalí. Alí que era o ponto sênil, Xavier tentava acender um cigarro, depois de ter ouvido todas as mentiras na sua secretária eletrônica, estava tudo gravado alí. Mas ele não fazia parte da estória. Esqueça! Todos irão morrer, de um modo ou de outro, e talvez, do mesmo modo, mas só ele sab disso. Ele, eu e vocês. Vocês que também devem saber que os velhos domingueiros também não fazem parte "dessa" estória.
Desconfie de mim.
Dias de confusão, dias assim de confusão e nevoa tornam as pessoas lugares-comum, e lugar-comum não é bom, pelo menos para a literatura compromissada.
A rural parada há alguns metros dalí carregava a mudança da dona Ana, uma mulher perfumada, cujo perfume é francês, cabelos enrrolados em cóque, de uma perfeição capaz de dar inveja aos glacês. Pó em suas bochechas rosadas, como duas maçãs maduras, manhas amadurecidas._todos nós tentamos.
Toda composta em um vestido xadrez, sapatinhos cor de anil a combinar com o céu, andar pela rua é sonhar, e brisa fresca é não fazer nada. Ninguem que tomava parte da vida da mais nova moradora do bairro sabia, mas dentro dela passava mil cargas de emoção, que subiam e desciam como num fluxo interno, fazendo despedaçar e enrrugar a sua face mais depressa. era a velhice, o tempo contado, porque a velhice é o inferno adiantado.
Entrou no velho casarão segurando um cofre. Casarão malogrado, cheio de mato entre as costas, aranha ali também deve ter, e ela atravessava o portão enferrujado como um vulto bom de vê. Piscando os olhos e limpado o nariz._Renite pouca é bobagem.
Os ajudantes mal pagos por alguém muito esperto descarregava a mobília da dona Ana, ora ou outra vomitando no chão da rua.
-Bando de bêbados! Foi nisso que deu todo esperma do mundo!
Queixava-se o velho Pacheco.
-Aaah! Cala essa boca!_Retrucou seu Zé.
Duas tevês e um sofá amarelo-queijo Chester, e é só.
Nem os carpinteiros vieram depois que a rural já havia partido aos trancos, tentando andar em linha reta; revoluçãozinhas retílinias...
Dona Ana viveria naquela casa por muito tempo, e dificilmente sairia, as pessoas da vizinhança faziam frestas nas janelas para vigiar quem entrava, mas ninguem entrava, dona Ana era uma mulher sozinha, o que não quer dizer que ela seja infeliz, é só uma questão de escolha, viver sem o atropelo do amor e todas suas parafernagens que vem no pacote.
A essa altura, Xavier já havia dessistido de acender eu cigarro e sem falar nada, partiu. Levantou-se do banco, majestoso. Havia um peso simbólico naquelas costas, em dar as costas para o nada, e direcionar os olhos para frente, direcionar os olhos para o turvo, num ato de cabeça erguida. Porque levantar e partir é dificil, e viver um dia após o outro é mais dificil ainda.
Será que ele volta? Pra onde ele foi?
Um negro muito alto e também muito forte, com uma boca carnuda empretecida de tanto fumo, sem camisa, trajando apenas uma calça social de um azul russado, pés descalços; moradia de bicho de porco. Nas mãos segurando mandioca; calos.
-Já ta fuxicando né seu Pacheco?
-Vai tomar no cu seu preto! Vai pra porra, seu corno!
Pacheco morre daqui há um mês engasgado com a própria dentadura.
Seu Zé morre de tanto rir.
O negro, uma vez jogando basquete numa quadra, é acertado por uma imensa jaca podre, espatifando o seu crânio e sujando o chão da quadra com miolos e gomos.
Dalí a duas horas se fazia noite.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Mochicas.

DE MEDONÇA, MARIA A. 17 ANOS.
Sexo feminino. Brasileira. Cabelos ruivos. Olhos claros. Tempo de morte: 03:00 hs, ainda em estado de decomposição significativa. Causa de morte: Ferimento à bala, calibre 38, vestígios de estupro recentes, ferimento ‘A’ disparado em contato com a boca, explodindo o maxilar superior, e um buraco na garganta. Ferimento ‘B’: Um tiro na têmpora, expelida da mesma arma, arma por sua vez automática. Ferimento ‘C’: Corpo destroçado em função da altura da queda, sétimo andar, tecido facial mole. Três ferimentos fatais. Rascunhos feitos no corpo da vitima com canivete, desenhos sobre a historia dos Mochicas, tribo canibais em rivalidade, no seu umbigo, o desenho do terceiro olho feito por sangue, abaixo do umbigo, o rabisco de um Lorde bebendo o sangue numa taça.

Um corpo foi só o que restou de toda uma vida, o resto de não muita coisa.
Um corpo, frio e sombrio, branco, magro e retalhado.
Agora sua cor natural mistura-se com umas marcas roxas feitas cruelmente pelo canivete de um assassino sem escrúpulos. Seu rosto não tinha expressão, na sua testa, ainda havia o furo causado pela bala atingida na têmpora, sua boca estava preta, seu corpo estava roxo. O necrotério por incrível que pareça não tinha cheiro de morte, cheirava a detefon mesclado com incenso de jasmim, mas era sombrio e assustador, sua luz era clara e bucólica, e ficava pendurada no teto, iluminando o defunto.
A noite já se fez, a cidade parecia entrar em colisão, burburinhos por todos os lados, buzinas, pessoas falando alto, pessoas gritando, pessoas sofrendo, pessoas rindo com o sofrimento das outras pessoas, e o necrotério não ficava privado dessas pequenas causas como todo qualquer necrotério, era como se essas pessoas estivessem ali, era como se fosse uma vitrine, e Maria Depressiva como uma manequim, as pessoas passavam, observavam e comentavam. Só que não era isso que acontecia, oh pobre Maria Deprê! Até no finalzinho da sua vidinha as pessoas te desprezam, não te notam, precisavas tu outrora pintar-se de batom escuro e maquiagem cor de queijo palmira, fingir que era uma porra-louca vertiginosa e desordenada, mas tu nunca passou de um brinquedo, uma ovelha negra de um rebanho albino e judeu, tu que foste a própria filha da puta, tu que tem sangue azul de barata nas veias, herdada de tua mãe, Maria Madalena, que sempre se esforçou para ser uma mulher honesta e fiel, mas ela era fraca e se entregou a Epicuro, Epicuro não é teu pai, nem o amante de tua mãe, ela apenas pensava como ele.
Tua mãe apesar de ser uma respeitável dona de casa, ela gostavas de ler filosofia, a miséria da filosofia, que não era de Karl Marx, mas era de Epicuro, sim, foi Epicuro que ensinou a ela a ser uma adultera, a obedecer os seus instintos carnais, fazer o que deseja e o que tem vontade, só assim ela seria feliz, e ela pensou; eu ainda posso ser mais feliz do que já sou? E o Epicuro peculiar de seu subconsciente disse; - Ora! Não sejas tola! Quem te vendeu essa ilusão? Quem te disse que tu és feliz? E ela falou; - Mas sou! Tenho um marido que me ama, tenho uma filha... O fruto de um belo amor!
E Epicuro, sarcástico que é, zomba dela; - Idiota eu sei que tu és, mas cega... Enxerga-te!
Aprendestes a conviver com esse amorzinho ultra-romântico de merda, porque tens medo de sofrer, não sai, não conversas mais, não cantas, não vai ao cinema, porque não tem com quem ir, porque não tem com quem falar, por isso se acostumou a fazer tudo igual, a assistir a novela das 6, das 7, das 8, jornal e vai dormir para depois fazer tudo novamente. Morreste Maria Madalena, vc não tem mais valor nenhum perante as pessoas, porque elas te esqueceram, não lembram mais da tua cara porque tu se confinaste no necrotério da tua vida, no necrotério do teu coração.
Pensa que eu não sei que tu passas todos os dias pela portaria da biblioteca pública só para povoar a imaginação suja do seu Firmino, aquele velho barrigudo e careca? Pensas?
-Calunia! Isso é uma mentira!
-Sabes que não é.
-Eu passo por ali porque é mais perto de minha casa, só isso!
-Segues aquele caminho porque gosta de ser desejada, já que o seu marido não te olha mais como uma mulher, chega a se arrepiar ao vê o seu Firmino, aquele velho barrigudo e careca, aperta o pau olhando para o seu bundão, fica molhadinha, não por desejo de seu Firmino, aquele velho careca e barrigudo, mas por ele te desejar, proliferando vulgaridades saídas daquela boca cheia de dentes comprados, onde o palito habitual do almoço criou moradia naquela boca de dentadura e mau hálito.
-Chega! Para! Eu não quero mais saber!
-Eu sou o que tu chamas de consciente, o seu amigo de cabeceira, aquele que se mistura com revistinhas de telenovelas e fuxico, mas que permanece ali, sempre atento para quando tu me quiseres ler, e eu sei que tu gostas de mim, porque comigo tu se sente importante, tu se sente uma filósofa. Ora já se viu! Uma Filósofa! Tu só me divides tua atenção com aquelas revistas que tu pegas debaixo da cama sempre quando está sozinha, aquela revista com o nome estrangeiro: Private. Então tu começas a folhear com se estivesse folheando a revista Caras, também tu lê alguns contos eróticos que o povo envia para a revista, e tu lê com a mesma naturalidade que lê na revista Caras que Deborah Seco traiu o namorado, e que Vera Fischer foi internada mais uma vez por abstinência tóxica, tu gostas do que vê, morde levemente os lábios, como se estivesse saboreando com os olhos o bufê da festa burguesa de Caras, tu se põe na pele da personagem do conto, uma mulher comum, como tu Maria Madalena, chamada Jussara, Jussara leva o motorista do seu marido para a cama, e fode com ele como uma cadela no cio, e não se esquece dos detalhes, porque o diabo está nos detalhes, tu agora, só de lembrar Maria Madalena, estás encharcada, como estava naquele dia em tu pensavas que era Jussara, seu dedo avulso era impertinente, queria ir sempre mais fundo, tu então não se contentava com um, portanto botou dois, logo três, e tu gritavas de dor e prazer, sentia um arrepio lhe subir a nuca, sentias tua perna ficar bamba como uma vara verde, ajoelha-se no chão, a revista cai, e tu gozas três vezes continua, revirando os olhos como se estivesse tendo uma convulsão...
-Para! Chega! Eu não quero mais ouvir! (Fechando o livro “A arte da filosofia”)
-Não adianta me fechar! Eu estou em vc! Eu sou o que tu pensa, o que tu sente. Não consegue me sentir? Eu estou fodendo com o seu juízo.
Sinta-me. Estou chupando seus miolos.

Cozinhando fácil com Wallita e grandes marcas

Um verme.
Era tudo que K.B Luda poderia dizer do seu editor, um sujeitinho medíocre que acha que todo mundo é seu empregado, e que o mesmo tem que fingir que ele é o tal e não o grande imbecil boçal que é.
Ele tinha cara de escroque, daqueles velhos burgueses que peidam fedendo e que não sabem amar uma mulher.
Havia esperado há tantas horas por uma resposta naquela sala, entediada, já havia escrito um conto enquanto esperava, consumindo cinco cigarros, seus pulsos suplanetários, rijos... Escreveu uma estória cínica. Não havia dormido também ontem e por isso os seus olhos estavam inchados, como barbapapas.
E ainda aturava aquele merdinha falando de seu sucesso, de como era feliz nadando em rios de dinheiro, aturava aquele sujeito_que também era escritor, editor de sí próprio_ falando de conciência pesada, sentia aquele sujeito pesado, ele sabia que não valia nada, mas era rico, por isso esquecia. Não precisava da chancela de ninguém, e nem se importava com isso. Queixava-se do seu best-seller, um livro de auto-ajuda, queixava-se da condição de ser burguês:
-Não é porque eu não fui abandonado na infância, numa lata de lixo, nem nunca pedi esmola na rua que eu não queira o melhor pra mim! O problema dessa gentalha toda, é que são infelizes porque não tem dinheiro, mas eu sou rico! E eu lamento muito por essas pessoas... Mas eu não posso fazer nada, ta, tudo bem, talvez eu dedique um livro para essas pessoas, mostrando para elas o meu ponto de vista. O que você acha?
-Depende da sua editora, será que ela vai aceitar um livro tão infame?
-Hahaha. Muito engraçado, hein! A nossa diferença, é que eu produzo best-sellers, não livrinhos aclamados por meia duzia de criticos.
-Ah, tenha dó. Grande merda isso.
-Você não quer mesmo beber nada?
-Não. Obrigada. Eu só queria saber o que você decidiu.
-Eu acho que falei que iria te ligar...
-Eu sei, mas eu precisava da resposta o quanto antes, e eu sei que o senhor nunca iria me ligar, para falar a verdade mesmo, nem sei se leu o que eu escrevi.
-Olha aqui, eu vou ser honesto com você, eu gosto de honestidade.
-Claro.
-O que você escreve, não serve para estampar jornal, nem para limpar cu.
-Eu sei disso. O que me surpreende é você também saber.
-...
-Eu vou embora. Ah! a propósito, a sua secretária fingiu o orgasmo na noite em que ela trepava com você, porque você tem 3 cm de pau, sendo que o nescessário é 4 para alcançar o mínimo de prazer.

A lingua


Nos doze primeiros anos de vida do filho de Peixoto, o mataram e o assaram.
Foi retalhado numa tarde vindo da escola, numa tarde em que ele teria um encontro secreto, depois de retalhado e experimentado pelos homens, o filho de Peixoto foi costurado e empalhado com folhas de bananeira e servido numa bandeja com pedaços de mangas silvestres para a rainha Elizabeth na Inglaterra, que aprecia carne de véados.
Essa é uma das dores eternas do velho Peixoto, que hoje coleciona facas e rancores desde 75.
A campaínha tocou aguda, despertando Peixoto das suas obecessões. Era Lola que lhe trazia lírios.
-Para mim?
-Obrigado por me olhar ontem quando eu passei indiana para comprar pão. Esses lírios são para o senhor.
-São... bonitos, muito bonitos! Eu vou arrumar uma agua para depositá-los. Já sei, eu vou guardar ali a Helena guarda seu rosto no pé de jasmim.
-Não, não serve para olhar.
-E para que serve?
-Serve para provar. Ora seu Peixoto, sua casa é tão imensa! Eu me sinto um passarinho.
-Entre minha linda, entre.
-Posso mostrar ao senhor para que servem os lírios?
-Claro, fique a vontade.
Foi feita a amostra, a boquinha redonda e ousada de Lola chupou como uma abelha todo o sumo do lírio.
-E que gosto tem?
-Prove.
Lola deu dois passos a frente, conseguia se ver no espelha da finada Helena, mesmo ficando em linha reta do velho Peixoto, as bocas se encontraram tremulas, cansadas, perdidas... como dois imãs, os olhos de Lola registraram.
-Tem gosto de sangue esse lírio.
-Preciso ir, a minha mãe vai chegar!
E assim foi correndo porta a frente, deixando um espaço vazio. A noite, Lola toda aveludada pelo vácuo, e Peixoto ainda antônito, passa os dedos pela boca a procura de registrar a lembrança no tato, muitas e muitas vezes faria isso, como um cego, porque muitas e muitas vezes voltaria aquele instante, voltaria aos seus lábios para sentir o cheiro inebriante de Lola corrida, envolvida no swetter da noite.
Percebeu por uma questão de atenção no olhar, quando olhava para os dedos, com a intenção de vê-la ruivinha sardenta e sorridente entre os seus indicadores e fura-bolos. Mas se Lola é sangue, dar-se por satisfeito, porque foi isso que ele viu por entre os dedos, o sangue com gosto de lírio que saia da sua boca, profusão provocada por Lola, era sangue e desejo que saia com dor pelo pedaço da lingua arrancada a duro dente, era tão bom de se fazer doer que Peixoto só veio dar por falta do pedaço da sua lingua quando Lola não estava mais lá.
Mais tarde, numa hora precisa, numa dessas horas de comprimidos, parafusos, e diabétes, Peixoto se perguntará se foi apenas um sonho, ou se teria ele engolido sua própria lingua .
Aproveitando a noite de incertezas, Lola ta rezando para Deus abraçado com o seu boneco de voodoo, mais tarde, quando não chegar o sono, ficará então olhando compulsivamente para a lingua do Peixoto boiando num copo d´agua, em cima do criado-mudo, como a dentadura que não espera ter.
Porque aquilo sim era uma lingua digna de ser apreciada em noites insônes.

O caroço.

Num certo dia, Ursula acordou disposta para sair pra fumar um bec, queria fumar num pasto com sol, queria lembrar a epóca em que era como uma jumenta amarrada no tronco, pelos escrotissimos pais. Ela sente saudade dessa dor, voltou coradinha do passeio e mais animada também, passando pelo bosque de Cuba, ela viu um mendigo se aplicando de pedra numa lata de coca-cola, olhos fixados ao nada especial, nado sincronizado de retinas.
O mendigo estava completamente nu, numa imagem cadavérica exibindo tatuagens antigas e meio apagadas com o tempo, cagava, e aquilo era uma visão bestial.
O mendigo tinha cabelos curtos e exageradamente sujos, uma barba-nuvem-cinza que alcançava a sua barriga estúpida de shopp. Ele ouvia um Walk man e parecia entretido, cuspia e remungava, mas sempre atento para voz que lhe falava, e lhe falava e repetia várias vezes.
Úrsula não resistiu, nem mesmo ao fedor da bosta, resolveu ir até lá e sentou-se ao lado do velho, que agora limpava o cu com suas tristezas.
-Senhor...
-Eu não presto!
-O quê? Não, não iria te perguntar isso, eu só queria saber que mundo povoa a mente de um louco chupando bala de suor.
-Eu não presto!
-Posso escutar um pouco?
-Eu não...
Úrsula imediatamente põe os fones no ouvido e de certo ouve: ...Presto!
-Viu?
Eu não presto, eu não presto, eu não presto, eu não presto, eu não presto, eu não presto, eu não presto...
-Deus! Isso é loucura! Isso é droga! Isso é bosta! Eu não presto! Eu não presto! Deus, quem foram os monstros que lhe deram isso?
-Os meus pais... me acostumaram desde criança a escutar isso.
-Não! Não escute mais! Tire o fone! Jogue-o fora!
-Não adianta! Isso tudo já ta gravado aqui._ E apertou a cabeça com as mãos.
-Meu Deus! Que horror!
Úrsula vai embora a base de tranquilizantes, e a noite mesmo assim não consiguirá dormir, obcecada pela certeza de que não presta pra nada.

G.C segundo ela mesma.


Geruza Cardoso lançou um livro chamado "Mil não", competiu comigo no top10 dos escritores com a mão no queixo, fazendo cara de "eu sou boçal, mas desfarço" na contra-capa. Mas... com o meu esforço, ela perdeu.
Geruza Cardoso, ou GERUZA CARDOSO, ou Geruza C. ou G.C, segunda ela mesma, lançou e tentou um novo livro, dessa vez intitulado de "Mil nãos para tudo".
Fiquei no que eu chamo de 5° categoria com talento. Só porque ela tem seios fartos de saudade.

Angustia

Havia acordado já fazia duas horas, mas continuava na cama; esparramado, numa letargia daqueles que simplesmente não querem encarar, é assim mesmo, é incrivel como um dia inteiro passa em branco e não se faz nada de interessante.
Moacir bem sabia disso.
Mas, de toda forma, alguém teria que juntar os cacos de ontem. Ainda estava bêbado. Com um hálito ruim e uma lembrança vaga e dolorosa da noite passada.
No apartamento de cima do dele, um aniversário de criança começava cedo, ou seria ele que teria acordado tarde?
Não tinha noção do tempo, quanto tempo se passou mesmo? Ontem pela manhã saiu de casa para respirar ar puro, finalmente. Já tinha decidido se matar, e estava tudo pronto, até comprou chumbinho, mas ao sair do armazem, já tinha decidido que iria cortar os pulsos, seria mais corajoso, e queria mostrar que tinha colhões.
Na noite desse mesmo dia resolveu se embriagar, e usou todas as drogas em ordem alfábetica, leu, escreveu horrores, e ficou de porre. Uma puta, que encontrou na rua achou ele bastante pirado e se mandou roubando o resto do dinheiro que ele havia tirado do banco nessa manhã.
Emenda-se um dia no outro de dormir pouco, um sono-lanche, não sabia a um bom tempo o que era um sono completo, como aqueles banquetes com direito a sonhos e tudo, Moacir não sonhava mais.
Juntou as mãos com os braços, os pés com as pernas, a mente com a razão, levantou num ímpeto só!
Abriu as cortinas da janela e se assustou com o tempo frio, estava chovendo lá fora, e Moacir poderia jurar que estava fazendo um sol sádico, mas se enganou._ O tempo sempre lhe enganou com grande esmero e boa vontade.
Moacir juntou as forças numa cúpula de ar, bufou. Requentou um café e tomou o liquido negro com a cara feia, ao desperdicio da luz do abajú.
Ligou a tevê para esquecer mais nitidamente do que não lembrava de vez, do que era vago, e a tevê, ora pois, distrai qualquer cabeça bêbada; qualquer cabeça ôca, cabeças chatas.
O natural é diversas vezes ensaiado para se tornar natural, e ele cabulava aulas.
Da janela lateral ele via o mundo que amamenta as pessoas cansadas.
Pensa:
"Eu sempre esqueço que essa cidade apodrece aos domingos ..."

Charles Bukowski - O cover da vez.

Para os jovens escritores que estão começando a beber.
ah, sei lá. De vez em quando, eu ando querendo a xereca-mental da Fernanda Young.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Não há pés bonitos.

Noutro dia eu tava passando na rua, eu fui comprar pão, e sem querer eu escutei uma mulher muito gostosa falando com o sobrinho dela, que vai, tinha lá seus 17 para 19 anos. (Eu sei que são parentes porque eu conheço os dois, pelo menos de vista, oquei?)
Ela dizia assim:
"Se eu fosse você eu começava a me tratar bem, porque eu achei uma rola bem maior que a sua."
Nelson Rodrigues estava certo: "Não há pés bonitos."

É pura preguiça,

O problema todo é começar, quando eu começo eu não paro mais.
Isso, de uma certa forma, é bom.
Mas, o problema todo é começar.
Eu tenho preguiça, e não nego. E sou velho, e sou chato, e tudo me entendia.
Até o que eu, enfim, começo com a coragem de um corte no corpo.
_Como minha não tão sucedida série._
É porque é saga, entende? É compromisso. E eu sou aquariano.
Não sou revoltado, não acho que a vida me deve alguma coisa, eu só fico aqui no meu canto, de vez em quando no bar, esperando surpresas com gosto de muitas frutas.
A preguiça é um pecado tão chato de assumir, que os ricos chamam de blasé.
Mas não passa de preguiça.
Ando sem criatividade, e o artista é isso, levando em conta que até o poeta fecha o livro.
Vou procurar ser simples, atuar em outros ramos, experimentar o hare krishna e começar esbanjar paz por todos os poros. Acido e vodca, cogumelos.
Entrarei para um grupo de apoio para os alcólatras anônimos, todas as segundas-feiras farei um sortilégio.
Logo depois da noite de apoio, em que eu, lá na frente recitarei tudo aquilo que eu decoro facil: "Eu sou feliz, sou mais forte que o vicio." Vou sair correndo para o bar mais próximo e me entupir de alcool, vou experimentar trair o movimento.
Qual é a graça de beber socialmente? O bom de beber é se embriagar.
Vou procurar ser asmático e entrar pra igreja universal só para debochar depois aqui no Jesus, transar com homens, foder com mulheres, treparei com homens e mulheres juntos, "mulheres e crianças primeiro." Vou ser voyer das sete putas do cafetão, irei vê-las transar com carecas barrigudos que sofrem de ulcéras por guardarem muita raiva, daí ficarei de lá, só observando, esperando os instintos fazer efeito, como o veneno que eu tomo todas as manhãs.
Serei chicano, burguês, aviãozinho, limpo, vou dar um tempo com as drogas, beber menos, pintar o cabelo, podar os pentelhos. Serei Sodoma e serei Gomorra nesses dias inveterados pelo tempo.
Aposte tudo!
Porque em tempos de lágrimas meu bem, chorar miséria é bobagem.

... No teatro (Continuação)

Sabe que eu gosto muito de observar as pessoas quando elas já estão sendo observadas? Eu gosto de estudar esse misto de improviso e vontade de agradar. Talvez eu seja um pouco arrogante no meu ponto de vista, na verdade, a verdade também poderia ser: Eles só querem acertar e sentir bem consigo mesmo. Sabe diretor, às vezes eu também odeio as pessoas, e me odeio muito mais por isso, quando o senhor me passou um exercício de chorar e eu não consegui, eu não consegui chorar porque sou meio encruado de emoções, o senhor que pediu para todos imaginarem a pessoa que mais ama morta, e eu não consegui chorar; até imaginei, depois de um tempo pensando. Mas as lágrimas não vinham, sertão eu estava, seco eu fiquei. Nem minha mãe, nem meu pai, nem aquilo tudo que é insubstituível me fez derramar o que se parece com soro.
Você entende?
Honestamente, eu acho que o senhor quando sai dos ensaios, ou toma uma pinga ou uns ansíoliticos.
Você que está com aparência absurdamente exausta...
Tu que concentra o talentoso Gabo até ele ficar artificial e não sorri mais, Gabo que também está no grupo das pessoas que querem te agradar.
Eu sou um hedonista fracassado somente porque eu tento ser um, a nossa única diferença é que eu me divirto. Você se esforça, eu tenho preguiça.
Olha só, não fale mais em educação em escolas públicas, ninguém ta nem aí pra isso, seja tão reciclável quanto sua arte, perecível quanto minhas mágoas.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Lixo!


Só mais dois, ou quatro capitulos e eu jogo a minha série no lixo da posteridade.
Eu concordo com quem disse que tudo é um tremendo esforço de ser.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Cego sonha?


Sonha com quê, hein?
Quem souber, por favor, me avisa.

Um sr. Depende.

No final da noite, me veio uma dessa...
(...)
-Depende.
-Depende de quê?_ eu perguntei.
-Aí que ta meu caro, a sua vontade termina quando começa a do próximo.

No qual eu respondi:

-Hã?! Como é que funciona isso?


(Eu que tô cagando disfarçadamente para a vontade do próximo...)

Ah! Me poupe!

Engraçado. Toda vez que aquele pedófilo barrigudo, de aparência ariana passa por mim, ele massagea o seu pau afim de ficar duro.
Como se eu fosse reparar no pau daquele que aos 46 anos tentou me molestar, quando eu tinha doze anos de idade.

Acho justo!

Então queridos. Para vocês que gostam muito dos meus textos, bem, eu vou deixar aqui um numero de uma conta bancária para vocês depositarem uma grana pra mim, para eu poder postar sempre...
Por mim, tudo bem, a exploração é um meio de vida, é o segredo do sucesso, e eu não me importo, contando que eu me divirta.
Cada canalha se vira como pode!
Se eu que sou eu, conseguir vender meu rabo letrado de arrogância e mel, para meia dúzia de pessoas que o São Google e eu desconhece, eu posso muito bem mecher na verdade sem me machucar, e à aceitar minha maldade, mesmo correndo o risco de ódio coletivo para quem um dia me admirou no auge do meu estado cult-decadente.
Tenho pena da modéstia.

Esses divórcios homeopáticos é uma grande chateação!

*Do bilhete preso por imãs.

"Rafa, briguei com o seu pai hoje, mas não se preocupe, porque dessa vez ele não se atreveu a me bater não.
Eu não sabia do setentizador...
Resolvir dar um tempo na decisão... vou passar esse fim de semana na casa da sua tia Bete*.
Seja sempre um grande homem, porque hoje em dia ser seu pai é: ser solteiro, velho ranzinza, turbeculoso e sem bunda.
Um beijo.
Tem comida na geladeira.
De sua mãe.
Edna."
*Tia Bete certa vez me disse que se conhece um preto pelo cheiro, geralmente eles fedem a bosta...

Da série... Poemas para provar que há amor em minha vida!

Meu coração diletante.

Brando em banho-maria.

Sempre morro dentro de um jarro.

Escondido nos seus dentes de barro.

Nicotina, alcaparra e vinha.

E ela fica em mim, da mesma forma que a marca do seu batom vermelho-puto fica no cigarro dos otários.

Por ser boa em demasia, o que era jarro se quebrou.

Evito as rimas para não ficar infantil.

Porque não sou poeta

Sou pastor.

Traio poema com poesia e gosto das prosas que eu tenho com os versos em dias de domingo.

A poesia em mim é boa de vê.

Como a cochia do teatro.

Como um deus lindo, que aplaude o sol nascente.

Como um Buda no papel.

Que logo é transformado em barco, pipa, papagaio.

Origamis em sua janela.

A poesia em mim, as vezes fede.

É parada como os barcos ancorados no caes.

Como a partida.

Contrapartida

As vezes parto

Contra a partida

Parto

Re-parto

Sangra

Sem braço

Sem os dois braços.

Dentro dos teus lençóis finos, eu me perco em tuas pernas, K. B Luda.

Porque você ainda não conhece os amores de colcha.

Ei.


O que é que teu silêncio ta fazendo alojado na minha garganta?
Eu que sou a tua vontade de falar...
Por que o teu cansaço mói meu corpo?
Eu que sou a tua vontade de dormir...
Por que os teus olhos não se fecham depois do primeiro tiro?
Eu que sou a tua vontade de esquecer...
Por que não ouço aplausos depois do primeiro ato?
Eu que sou a tua vontade...
Por que ninguem morre depois do primeiro amor?
Eu que sempre faço tuas vontades...

Ô Manhê!

A maconha é mais saudável que o tomate, pô.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Pingo d´agua em chapa quente.


Na semana passada, num sábado, eu desci a serra. Andei uns 18 km atravessando matos e estradas de barro, na companhia de uns bons amigos, cachaça e bec. Nem eu mesmo acreditei nessa loucura, até tinhamos dinheiro para passagem de ônibus e tal, mas de toda forma, resolvemos ir a pé.
Beleza, on the road, saímos de Cruz das almas era duas e meia da tarde, mais ou menos, chegamos em Conceição do Almeida as seis e pouca da noite. Exaustos. Só para ter uma noção da andada.
Mas daí foi massa, fomos cantando, trocando idéias, paramos numa cidade chamada Sapé e fomos à casa de um cara chamado Val Punk, uma tentativa de cover do Raul Seixas, ele mora numa casa afastada de tudo, bem underground. O cara é lendário, resistência no rock e do desbunde dos anos 70, sabe um monte de coisa sobre musica, paramos lá para tomar uns quentões e ouvir Ramones. Beleza, beleza.
Saímos da casa de Val já tava escurecendo, e seguimos viajem rumo a C. do almeida, acabou que a gente se perdeu no meio do mato, estávamos com fome, exaustos, bêbados, todos sujos de lama, a comida havia acabado, e nessa hora o que eu mais queria ver eram as luzes da cidade acessa, e uma pista qualquer, carros, barulho, o que for algo que lembre a civilização.
Passamos por lugares cabulosos; natureza-morta, arvores frondosas no meio do nada, encruzilhadas sinistras, mato, lama, campo, bichos, invadimos um sítio para roubar laranjas. Pelas minhas contas, passamos por uns três retardados, se enquadrados dava-se uma pintura, ou uma fotografia cinza da Diane Arbus... algo bem próximo ao grotesco e ao solitário.
Na minha onda, na minha viagem particular, que era colher flores e todo tipo de lixo pelo caminho, não se pergunte por que.
Mas naquele momento era uma coisa fantástica pra mim, eu dava nome e estórias para as coisas que eu catava na estrada, côco velho, flores de diversas cores, palhas, folhas de bananeira, gravetos e etc... Tudo parecia uma oferenda, não me lembro agora exatamente das coisas que eu pensava naquela hora, mas garanto que era uma justificativa muito bonita, quase poética, senão.
Mas tive que me desfazer de tudo aquilo que colhi no meu trajeto, por causa da policia que vinha passando de ranger na estrada, justo no momento que Bbel e eu atravessávamos a pista correndo feito loucos, eu cheio de bagulho nas mãos, e os caras em cima.
Joguei tudo fora. Não sei por que, mas a policia não parou o carro, só nos olhou, meio de soslaio. Depois, mais tarde, eu descobri que aqueles policiais eram amigos do meu pai, que por alguma razão, talvez por isso nos deixou seguir sem o baculejo.
Então, chegamos em C. do almeida, e na manhã seguinte rolaria um festival de rock, um lance meio woodstock, começando pela manhã e indo até a noite, tinha o palco livre para poesia, e Marzinho, um amigo artista plástico me convidou para subir no palco num tom muito efusivo, alto, ele estava muito chapado, cheirado, e encheu minha bola, disse que eu era a maior promessa da literatura brasileira, que eu era uma espécie de Rimbaud dos tempos modernos, e o que eu tava fazendo?
Eu tava envergonhado. E quase não subir no palco de tão bêbado que estava, fui quando não tinha mais jeito e todo mundo já me olhava. Subi lá e li um texto, um texto bacana, mas antes de ler, eu falei:
"Antes de tudo, eu queria dizer que eu tô muito bêbado, com fome, sou disléxico e tenho um pouco de lingua presa, então por favor, não liguem se eu demorar de ler... ta bom?"
Daí, depois do texto, veio a melhor parte. As latinhas de cerveja voaram em cima de mim, eles eram legais até, jogavam umas latinhas semi-cheias-geladas, e eu tava mesmo precisando de cerveja, tava charopado de uísques baratos, catei as latinhas no palco e bebi os restos.
Era um lugar cheio de posers, hippies rastas, cawboys-new-wave-excêntricos, putas do barulho, adolescentes da pesada.
Houve bastante aplausos, é claro, como não? Elogios de depois, abraços dos meus amigos e tudo mais.
Duas coisas que causam comunhão, os aplausos e os gritos, e isso pra mim é tudo. E o que pode acontecer de pior? Uma critica. Só. Nada mais.
Eles eram péssimos de mira, me refiro a um grupo dispostos a anarquizar os alternativos, era uns sujeitinhos com umas caras pintadas, uma versão mal feita do Kiss.
Depois de mim, vieram mais dois corajosos poetas, bem, eu não prestei muita atenção, mas o cara que leru, leu muito bem, com uma revolta na voz e no olhar. Logo depois veio uma menina e recitou uma poesia lírica, e mais latinhas voadoras, acho que a menina saiu chorando...
Marzinho era o apresentador do festival, e foi ele que deu todo um ar rock and roll pra festa, tava muito louco e dizia um monte de loucura no palco, era um festival aberto, para todos da cidade. E ele parecia muito a vontade, enquanto a sociedade primitiva, os reacionários do lugar bradavam com o tempo gasto tomado por Marzinho que conversa fiado.
Ta, ta, Marzinho é um cara bacana, gente boa, artista talentoso, segundo ele, melhor que ele, só Salvador Dalí. Acho divertido isso, tambem não gosto da modéstia, tenho pena. Porra, se você sabe que é bom, algumas pessoas dizem que você é bom, até sua mãe diz, então você é bom e acabou!
Modestia é para quem quer confetes, é para gente fraca. Todo mundo precisa de um feedbeck, nem que seja para aprender a esnobar.
Gosto de ver a reação das pessoas com todo esse desbunde auto-afirmativo, quebrando as leis moralistas.
Acontece que Marzinho havia cheirado pó, e cocaína é uma droga que meche muito com o ego das pessoas, elas se sentem Deus, e foi isso que aconteceu. Um rapaz subiu no palco, e fez uma pequena homenagem ao resistente Val Punk, no qual Marzinho berrou:
-O maior cara, o mais resistente do rock and roll aqui sou eu porra! Eu
! Metal Lobo! O apresentador ta a milhão!
O desfecho da noite eu não presenciei, rolaria ainda uma queda, uns flertes, e uma banda de blues, tava muito cansado de toda aquela andada, e muito bêbado tambem, fui levado à reboque para casa no meio do festival.
Aquele festival, as pessoas, e os poetas corajosos, e os punks de araque, eu, tudo aquilo; Não passavam de caboclos querendo ser ingleses.

Fuga!

Então. Tô sem internet em casa, e escrever em lã house é uma merda, fora o tempo gasto, você não pode peidar a vontade, e fora também os seus vizinhos adolescentes usando o computador ao lado, ouvindo alto Ana Carolina, e cantando junto com Ana Carolina, o que é pior.
O Guilherme, que ta numa situação parecida, falou lá no blogue dele_ (O Vômito no vento). Que ta sem tempo para postar os textos dele, pois o pobre ta trabalhando feito o diabo_ lá em terras lusitanas.
Ora porra! Tempo eu tenho de sobra; porque não trabalho.
O que eu não tenho é dinheiro sobrando para frequentar casa de lã, porque não trabalho
também.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Saravá!

Era uma noite chuvosa de quinta feira, eu fui jogar baralho na casa de uns caras aí. Daí veio o convite lá para as onze e pouca da noite, de um amigo, o Marcelo, para irmos lá numa sessão, sei lá o quê, não sei bem dizer o que era, mas ele me disse que um morto, (que eles, do candomblé, chamam de egun) iria baixar num cabra aí.


Esse cabra aí é o pai de santo. O nome desse egun era Maria Rosa. E o Marcelo me chamou para ir lá, e disse que teria uísque, cigarros e tal, não fui pela bebida não, oquei?


Na verdade, nem queria ir, mas estava com Angelica, uma amiga, e ela acabou me convencendo de dar uma passadinha lá, bem rápido.


Pois bem, eu fui! Não ficava muito longe não, era na rua dos Fiados, perto do cemitério. Chegando lá, entrei porque chovia, do lado esquerdo da varanda, tinha o que me parecia como um jarro de barro, e umas velas acessas, a porta estava escancarada, e havia algumas pessoas sentadas na sala, umas dez pessoas, eu acho. Todos com caras de réu, cabisbaixo, com medo de falar alguma coisa imprópria, alguma coisa que a Maria Rosa não fosse gostar, me parecia que estava todo mundo pisando em ovos. Talvez, só fosse respeito.

A Maria Rosa era uma entidade, que estava no corpo de um homem, um homem lá com os seus quarenta e tantos anos, branco e calvo, com uma enorme e bonita tatuagem no braçoi direito, nesse mesmo braço escoreado por uma deformação, era um braço meio torto, estranho.

Segundo Marcelo, que me contou mais tarde, foi um acidente de carro.

Quando chegamos, duas mulheres saiam da casa, uma, por sinal, parecia que chorava.

Maria Rosa cruzava as pernas, elegante, tinha um turbante de renda branca na cabeça, ocupava com um homem de traços indígenas, um sofá.

Fumava tambem, os dois. Ao lado dela, um criado-mudo com dois litros de uísque Old Eight, sendo que um já pela metade, uma carteira de cigarros Carlton, um isqueiro por cima da carteira, e só.

Talvez tivesse mais algumas coisinhas lá, mas eu não reparei muito, fiquei olhando a casa dele, duas telas chamavam minha atenção, não eram bonitas, uma eu não lembro mais como era, e a outra era uma tela verde com três pirâmides, era uma tela cheia de tecnicas aprendidas na faculdade de artes plásticas, com certeza.

A casa era humilde, na estante da casa havia mais bebidas e duas bruxas feias. Todo mundo calado, tacturno, olhando para o chão, ninguem bebia, ninguem fumava. Só Maria Rosa, e o cara de traços indígenas, que surrupiou um cigarro dela, quando essa saiu para o quintal.

Mas antes dela ir, logo quando chegamos como todo bom pseu-educado; demos boa noite. No qual, ela nos observa profundamente e depois de um tempo, grita:

-Bôa Noitchie! (Uns abraços.)

Acomodamo-nos. No som vinha um arrocha grotesco, uma música brega e mal cantada, e fora um conhecido meu, todo vestido de branco, ficava movendo os ombros pra lá e pra cá, arriscando uns passos de dança, sem se levantar da cadeira; Bom pra ele, melhor pra mim.

Saiam fragmentos de conversas, tentativas de assuntos, coisas do tipo: Nossa, que frio! Hum... Eu já tô com sono... O quê? Sono, pô. Ahhh ta.

Alguns gestos tambem; Bocejos.

Um cara falava de umas carreirinhas de pó, ou foi só viagem impressa minha? Só sei que foi o bastante para a minha mente ir longe e imaginar eu indo até o banheiro e flagrar a Maria Rosa cheirando uma carreirinha cumprida de pó, com um caboclo manifestado no corpo de uma preta velha que não parava de comer. Maria Rosa, com o seu turbante de renda branca e a sua saia, tambem de renda.

-Oi du pagito, ta afim de dar uns grau?


A minha imaginação fértil foi embora quando ela voltou, ela; A Maria Rosa, que voltava do quintal. Ficou perto do criado-mudo, pegou um cigarro e sem colocá-lo na boca, acendeu o cigarro com o isqueiro, queimando a ponta do cigarro, até ele acender_ um processo, digamos, lento. Serviu-se de mais um pouco de uísque sem gelo, e sentou novamente no sofá, ao lado de indígena, cruzou as pernas, um olhar diferente, meio doce, meio puta, ela era debochada, mas tinha um quê de serenidade. Olhou para mim, como que se quissesse me contar um segredo, mas só me ofereceu bebida.

-Não. Obrigado.

-Por que "do pagito"?

-Não tô com vontade de beber.

-Tu fodche?

-O quê?

-Tu fodche? Num sabe o que é fodcher não é?

-Sim. Fodo. (Nessa hora eu já estava um caqui-vergonha, eu sou tímido pra caraleo, e pensei ao falar "Sim. Fodo". "Fodo", personagem do Senhor dos anéis.)

-Tu fodche com a paciência, ou com o mundo?

-Hãn? Não entendi.

Ela repetiu a pergunta com um sotaque engraçado.

-Errr... Com os dois. _Eu respondi, dei por entendido para encerrar o papo, sendo que eu navegava por mares nunca d´antes navegados.


Aí Maria Rosa levantou o pesçoço pro alto e deu uma risada aguda e debochada. segurando o seu copo de uísque, olhou para Angelica e disse:

-Sorte sua! Hahahahahahaha! (Colocou as mãos entre a boca, como se fosse contar um segredo, e disse para o restante das pessoas na sala.) Azar tambem! Hahahahahahaha!

Não demorou alguns minutos com ela entoando canções cafonas, e bebendo e fumando, e todos quietos, com caras de réu, com caras de hell.

Ela chamou Marcelo, e explicou alguma coisa, na verdade, ela nos colocou educadamente pra fora, disse que teria uma "limpeza" agora, só para as pessoas da casa, e que outro dia, amanhã, ela viria novamente, e para chegarmos cedo, que rolaria um "mela-cueca", uma dança, uma festinha. Mas que hoje, já era algo marcado, a tal da limpeza.
Então ta, Marcelo se despediu dela com um abraço e dois beijos no rosto, ela parecia gostar muito dele, mandou um monte de santo acompanha-lo.
-Vamos pessoal!_Marcelo disse.
Angelica e eu demos tchau de longe, ahhhh, pra quê bicho? A Maria Rosa pirou!
-Venha me dar um abraço, sua cachorra! Vai embora assim sem falar comigo é sinhá puta?
(Angelica dar um abraço na Maria Rosa e escuta conselhos para abrir as pernas sempre que nescessário, fodche, fodche, fodche.)
Minha vez.
Um abraço apertado. Toda a afetividade veio dela.
-E tu fio? Tu ainda vai fodcher hoje?
-Errr... Não.
-Por que não?
-Porque não.
-Tu fodche com ieu?
-Não.
-Por que não? Tu não gostou de ieu?
-Errr... Gostei, mas... (Sorrisinho amarelo)
-Tu gosta de buceta?
(Amarelo manga foi minha cor nessa hora, todo mundo me olhando e eu todo sem graça.)
-Gosto.
-Buceta é bom fio, come memo, eu tenho! Tu num quer não? Num fodche com a paciência dos outchos não, é pra fodcher memo. Hahahahaha!
-Ta.
-Viu? Tchau.
Eu tava tão nervoso e sem graça, que quem é timido sabe, que todo timido tem um quê de ousadia, e a ousadia nessas horas é tão descabida e efêmera que você nem pensa.
-Errr... A senhora tem um careta aí?
-O quê?
-Cigarros.
-Não! Aqui não é buatchee! Ta pensando o quê hein? Não vou lhe dar não!
-Ahta, brigado. A senhora é muito gentil.
E assim dei as costas e fui-me embora, sem olhar pra trás e sair com a garagalhada daquela mulher misteriosa ecoando nos meus ouvidos, e certamente com os risinhos dos caras de hells daquela sala embalada por caras tristes, uísques, cigarros e baladinhas bregas.
Saí numa chuva fina que resfria, sem mais nem por que, o meu olfato ficou apurado, e parecia que eu podia sentir todos os odores do mundo.
Enxofre, carniça e sabão em pó, cada um em seu momento, cada qual em uma rua diferente.
Passei por duas encruzilhadas, cheguei em casa, tirei toda minha roupa e mais parecia que eu estava tirando um fardo, ou uma pesada armadura romana.
Energia pesada ou chuva fina que resfria?
E viva as opções!
Em tempos de cão botar, fecha os olhos que tu encontra.