sexta-feira, 12 de outubro de 2007

A nova moradora.

Para os desatentos, como eu e M. era um dia perfeito para confundir mangueira com mar.
Pacheco desenrrolava uma prosa com o seu Zé, enquanto bolava seu maratá_cigarro dos velhos que os novos usados ousam fumar_ Papos trágicos.
Mas o velho Zé então apreciava poesias, e mastigava o seu fumo, como chiclete, não aturando as lamúrias de Pacheco._Ô homenzinho infeliz! desperdiçando intelectos carcundas e retrocessos, uma moral apaziguada que hoje em dia ninguém mais usa.
Velhos tempos em que se ouvia Cartola numa rede de navegar. Cartola na cabeça e fumo entre os dentes. Cuspiu._Um enjôo.
Vento frio que vinha do norte moviam moinhos antigamente, e os dois amigos lembravam de tudo isso com a boca aberta, brisa nas dentaduras mal coladas
A rural verde e branco havia parado há uns dois metros dalí. Alí que era o ponto sênil, Xavier tentava acender um cigarro, depois de ter ouvido todas as mentiras na sua secretária eletrônica, estava tudo gravado alí. Mas ele não fazia parte da estória. Esqueça! Todos irão morrer, de um modo ou de outro, e talvez, do mesmo modo, mas só ele sab disso. Ele, eu e vocês. Vocês que também devem saber que os velhos domingueiros também não fazem parte "dessa" estória.
Desconfie de mim.
Dias de confusão, dias assim de confusão e nevoa tornam as pessoas lugares-comum, e lugar-comum não é bom, pelo menos para a literatura compromissada.
A rural parada há alguns metros dalí carregava a mudança da dona Ana, uma mulher perfumada, cujo perfume é francês, cabelos enrrolados em cóque, de uma perfeição capaz de dar inveja aos glacês. Pó em suas bochechas rosadas, como duas maçãs maduras, manhas amadurecidas._todos nós tentamos.
Toda composta em um vestido xadrez, sapatinhos cor de anil a combinar com o céu, andar pela rua é sonhar, e brisa fresca é não fazer nada. Ninguem que tomava parte da vida da mais nova moradora do bairro sabia, mas dentro dela passava mil cargas de emoção, que subiam e desciam como num fluxo interno, fazendo despedaçar e enrrugar a sua face mais depressa. era a velhice, o tempo contado, porque a velhice é o inferno adiantado.
Entrou no velho casarão segurando um cofre. Casarão malogrado, cheio de mato entre as costas, aranha ali também deve ter, e ela atravessava o portão enferrujado como um vulto bom de vê. Piscando os olhos e limpado o nariz._Renite pouca é bobagem.
Os ajudantes mal pagos por alguém muito esperto descarregava a mobília da dona Ana, ora ou outra vomitando no chão da rua.
-Bando de bêbados! Foi nisso que deu todo esperma do mundo!
Queixava-se o velho Pacheco.
-Aaah! Cala essa boca!_Retrucou seu Zé.
Duas tevês e um sofá amarelo-queijo Chester, e é só.
Nem os carpinteiros vieram depois que a rural já havia partido aos trancos, tentando andar em linha reta; revoluçãozinhas retílinias...
Dona Ana viveria naquela casa por muito tempo, e dificilmente sairia, as pessoas da vizinhança faziam frestas nas janelas para vigiar quem entrava, mas ninguem entrava, dona Ana era uma mulher sozinha, o que não quer dizer que ela seja infeliz, é só uma questão de escolha, viver sem o atropelo do amor e todas suas parafernagens que vem no pacote.
A essa altura, Xavier já havia dessistido de acender eu cigarro e sem falar nada, partiu. Levantou-se do banco, majestoso. Havia um peso simbólico naquelas costas, em dar as costas para o nada, e direcionar os olhos para frente, direcionar os olhos para o turvo, num ato de cabeça erguida. Porque levantar e partir é dificil, e viver um dia após o outro é mais dificil ainda.
Será que ele volta? Pra onde ele foi?
Um negro muito alto e também muito forte, com uma boca carnuda empretecida de tanto fumo, sem camisa, trajando apenas uma calça social de um azul russado, pés descalços; moradia de bicho de porco. Nas mãos segurando mandioca; calos.
-Já ta fuxicando né seu Pacheco?
-Vai tomar no cu seu preto! Vai pra porra, seu corno!
Pacheco morre daqui há um mês engasgado com a própria dentadura.
Seu Zé morre de tanto rir.
O negro, uma vez jogando basquete numa quadra, é acertado por uma imensa jaca podre, espatifando o seu crânio e sujando o chão da quadra com miolos e gomos.
Dalí a duas horas se fazia noite.

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