quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Pingo d´agua em chapa quente.


Na semana passada, num sábado, eu desci a serra. Andei uns 18 km atravessando matos e estradas de barro, na companhia de uns bons amigos, cachaça e bec. Nem eu mesmo acreditei nessa loucura, até tinhamos dinheiro para passagem de ônibus e tal, mas de toda forma, resolvemos ir a pé.
Beleza, on the road, saímos de Cruz das almas era duas e meia da tarde, mais ou menos, chegamos em Conceição do Almeida as seis e pouca da noite. Exaustos. Só para ter uma noção da andada.
Mas daí foi massa, fomos cantando, trocando idéias, paramos numa cidade chamada Sapé e fomos à casa de um cara chamado Val Punk, uma tentativa de cover do Raul Seixas, ele mora numa casa afastada de tudo, bem underground. O cara é lendário, resistência no rock e do desbunde dos anos 70, sabe um monte de coisa sobre musica, paramos lá para tomar uns quentões e ouvir Ramones. Beleza, beleza.
Saímos da casa de Val já tava escurecendo, e seguimos viajem rumo a C. do almeida, acabou que a gente se perdeu no meio do mato, estávamos com fome, exaustos, bêbados, todos sujos de lama, a comida havia acabado, e nessa hora o que eu mais queria ver eram as luzes da cidade acessa, e uma pista qualquer, carros, barulho, o que for algo que lembre a civilização.
Passamos por lugares cabulosos; natureza-morta, arvores frondosas no meio do nada, encruzilhadas sinistras, mato, lama, campo, bichos, invadimos um sítio para roubar laranjas. Pelas minhas contas, passamos por uns três retardados, se enquadrados dava-se uma pintura, ou uma fotografia cinza da Diane Arbus... algo bem próximo ao grotesco e ao solitário.
Na minha onda, na minha viagem particular, que era colher flores e todo tipo de lixo pelo caminho, não se pergunte por que.
Mas naquele momento era uma coisa fantástica pra mim, eu dava nome e estórias para as coisas que eu catava na estrada, côco velho, flores de diversas cores, palhas, folhas de bananeira, gravetos e etc... Tudo parecia uma oferenda, não me lembro agora exatamente das coisas que eu pensava naquela hora, mas garanto que era uma justificativa muito bonita, quase poética, senão.
Mas tive que me desfazer de tudo aquilo que colhi no meu trajeto, por causa da policia que vinha passando de ranger na estrada, justo no momento que Bbel e eu atravessávamos a pista correndo feito loucos, eu cheio de bagulho nas mãos, e os caras em cima.
Joguei tudo fora. Não sei por que, mas a policia não parou o carro, só nos olhou, meio de soslaio. Depois, mais tarde, eu descobri que aqueles policiais eram amigos do meu pai, que por alguma razão, talvez por isso nos deixou seguir sem o baculejo.
Então, chegamos em C. do almeida, e na manhã seguinte rolaria um festival de rock, um lance meio woodstock, começando pela manhã e indo até a noite, tinha o palco livre para poesia, e Marzinho, um amigo artista plástico me convidou para subir no palco num tom muito efusivo, alto, ele estava muito chapado, cheirado, e encheu minha bola, disse que eu era a maior promessa da literatura brasileira, que eu era uma espécie de Rimbaud dos tempos modernos, e o que eu tava fazendo?
Eu tava envergonhado. E quase não subir no palco de tão bêbado que estava, fui quando não tinha mais jeito e todo mundo já me olhava. Subi lá e li um texto, um texto bacana, mas antes de ler, eu falei:
"Antes de tudo, eu queria dizer que eu tô muito bêbado, com fome, sou disléxico e tenho um pouco de lingua presa, então por favor, não liguem se eu demorar de ler... ta bom?"
Daí, depois do texto, veio a melhor parte. As latinhas de cerveja voaram em cima de mim, eles eram legais até, jogavam umas latinhas semi-cheias-geladas, e eu tava mesmo precisando de cerveja, tava charopado de uísques baratos, catei as latinhas no palco e bebi os restos.
Era um lugar cheio de posers, hippies rastas, cawboys-new-wave-excêntricos, putas do barulho, adolescentes da pesada.
Houve bastante aplausos, é claro, como não? Elogios de depois, abraços dos meus amigos e tudo mais.
Duas coisas que causam comunhão, os aplausos e os gritos, e isso pra mim é tudo. E o que pode acontecer de pior? Uma critica. Só. Nada mais.
Eles eram péssimos de mira, me refiro a um grupo dispostos a anarquizar os alternativos, era uns sujeitinhos com umas caras pintadas, uma versão mal feita do Kiss.
Depois de mim, vieram mais dois corajosos poetas, bem, eu não prestei muita atenção, mas o cara que leru, leu muito bem, com uma revolta na voz e no olhar. Logo depois veio uma menina e recitou uma poesia lírica, e mais latinhas voadoras, acho que a menina saiu chorando...
Marzinho era o apresentador do festival, e foi ele que deu todo um ar rock and roll pra festa, tava muito louco e dizia um monte de loucura no palco, era um festival aberto, para todos da cidade. E ele parecia muito a vontade, enquanto a sociedade primitiva, os reacionários do lugar bradavam com o tempo gasto tomado por Marzinho que conversa fiado.
Ta, ta, Marzinho é um cara bacana, gente boa, artista talentoso, segundo ele, melhor que ele, só Salvador Dalí. Acho divertido isso, tambem não gosto da modéstia, tenho pena. Porra, se você sabe que é bom, algumas pessoas dizem que você é bom, até sua mãe diz, então você é bom e acabou!
Modestia é para quem quer confetes, é para gente fraca. Todo mundo precisa de um feedbeck, nem que seja para aprender a esnobar.
Gosto de ver a reação das pessoas com todo esse desbunde auto-afirmativo, quebrando as leis moralistas.
Acontece que Marzinho havia cheirado pó, e cocaína é uma droga que meche muito com o ego das pessoas, elas se sentem Deus, e foi isso que aconteceu. Um rapaz subiu no palco, e fez uma pequena homenagem ao resistente Val Punk, no qual Marzinho berrou:
-O maior cara, o mais resistente do rock and roll aqui sou eu porra! Eu
! Metal Lobo! O apresentador ta a milhão!
O desfecho da noite eu não presenciei, rolaria ainda uma queda, uns flertes, e uma banda de blues, tava muito cansado de toda aquela andada, e muito bêbado tambem, fui levado à reboque para casa no meio do festival.
Aquele festival, as pessoas, e os poetas corajosos, e os punks de araque, eu, tudo aquilo; Não passavam de caboclos querendo ser ingleses.

Um comentário:

Isa Dora disse...

De onde tu tira inspiração? Ou tudo isso é uma verdade?
Tua verdade?
Teu desejo?