segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Saravá!

Era uma noite chuvosa de quinta feira, eu fui jogar baralho na casa de uns caras aí. Daí veio o convite lá para as onze e pouca da noite, de um amigo, o Marcelo, para irmos lá numa sessão, sei lá o quê, não sei bem dizer o que era, mas ele me disse que um morto, (que eles, do candomblé, chamam de egun) iria baixar num cabra aí.


Esse cabra aí é o pai de santo. O nome desse egun era Maria Rosa. E o Marcelo me chamou para ir lá, e disse que teria uísque, cigarros e tal, não fui pela bebida não, oquei?


Na verdade, nem queria ir, mas estava com Angelica, uma amiga, e ela acabou me convencendo de dar uma passadinha lá, bem rápido.


Pois bem, eu fui! Não ficava muito longe não, era na rua dos Fiados, perto do cemitério. Chegando lá, entrei porque chovia, do lado esquerdo da varanda, tinha o que me parecia como um jarro de barro, e umas velas acessas, a porta estava escancarada, e havia algumas pessoas sentadas na sala, umas dez pessoas, eu acho. Todos com caras de réu, cabisbaixo, com medo de falar alguma coisa imprópria, alguma coisa que a Maria Rosa não fosse gostar, me parecia que estava todo mundo pisando em ovos. Talvez, só fosse respeito.

A Maria Rosa era uma entidade, que estava no corpo de um homem, um homem lá com os seus quarenta e tantos anos, branco e calvo, com uma enorme e bonita tatuagem no braçoi direito, nesse mesmo braço escoreado por uma deformação, era um braço meio torto, estranho.

Segundo Marcelo, que me contou mais tarde, foi um acidente de carro.

Quando chegamos, duas mulheres saiam da casa, uma, por sinal, parecia que chorava.

Maria Rosa cruzava as pernas, elegante, tinha um turbante de renda branca na cabeça, ocupava com um homem de traços indígenas, um sofá.

Fumava tambem, os dois. Ao lado dela, um criado-mudo com dois litros de uísque Old Eight, sendo que um já pela metade, uma carteira de cigarros Carlton, um isqueiro por cima da carteira, e só.

Talvez tivesse mais algumas coisinhas lá, mas eu não reparei muito, fiquei olhando a casa dele, duas telas chamavam minha atenção, não eram bonitas, uma eu não lembro mais como era, e a outra era uma tela verde com três pirâmides, era uma tela cheia de tecnicas aprendidas na faculdade de artes plásticas, com certeza.

A casa era humilde, na estante da casa havia mais bebidas e duas bruxas feias. Todo mundo calado, tacturno, olhando para o chão, ninguem bebia, ninguem fumava. Só Maria Rosa, e o cara de traços indígenas, que surrupiou um cigarro dela, quando essa saiu para o quintal.

Mas antes dela ir, logo quando chegamos como todo bom pseu-educado; demos boa noite. No qual, ela nos observa profundamente e depois de um tempo, grita:

-Bôa Noitchie! (Uns abraços.)

Acomodamo-nos. No som vinha um arrocha grotesco, uma música brega e mal cantada, e fora um conhecido meu, todo vestido de branco, ficava movendo os ombros pra lá e pra cá, arriscando uns passos de dança, sem se levantar da cadeira; Bom pra ele, melhor pra mim.

Saiam fragmentos de conversas, tentativas de assuntos, coisas do tipo: Nossa, que frio! Hum... Eu já tô com sono... O quê? Sono, pô. Ahhh ta.

Alguns gestos tambem; Bocejos.

Um cara falava de umas carreirinhas de pó, ou foi só viagem impressa minha? Só sei que foi o bastante para a minha mente ir longe e imaginar eu indo até o banheiro e flagrar a Maria Rosa cheirando uma carreirinha cumprida de pó, com um caboclo manifestado no corpo de uma preta velha que não parava de comer. Maria Rosa, com o seu turbante de renda branca e a sua saia, tambem de renda.

-Oi du pagito, ta afim de dar uns grau?


A minha imaginação fértil foi embora quando ela voltou, ela; A Maria Rosa, que voltava do quintal. Ficou perto do criado-mudo, pegou um cigarro e sem colocá-lo na boca, acendeu o cigarro com o isqueiro, queimando a ponta do cigarro, até ele acender_ um processo, digamos, lento. Serviu-se de mais um pouco de uísque sem gelo, e sentou novamente no sofá, ao lado de indígena, cruzou as pernas, um olhar diferente, meio doce, meio puta, ela era debochada, mas tinha um quê de serenidade. Olhou para mim, como que se quissesse me contar um segredo, mas só me ofereceu bebida.

-Não. Obrigado.

-Por que "do pagito"?

-Não tô com vontade de beber.

-Tu fodche?

-O quê?

-Tu fodche? Num sabe o que é fodcher não é?

-Sim. Fodo. (Nessa hora eu já estava um caqui-vergonha, eu sou tímido pra caraleo, e pensei ao falar "Sim. Fodo". "Fodo", personagem do Senhor dos anéis.)

-Tu fodche com a paciência, ou com o mundo?

-Hãn? Não entendi.

Ela repetiu a pergunta com um sotaque engraçado.

-Errr... Com os dois. _Eu respondi, dei por entendido para encerrar o papo, sendo que eu navegava por mares nunca d´antes navegados.


Aí Maria Rosa levantou o pesçoço pro alto e deu uma risada aguda e debochada. segurando o seu copo de uísque, olhou para Angelica e disse:

-Sorte sua! Hahahahahahaha! (Colocou as mãos entre a boca, como se fosse contar um segredo, e disse para o restante das pessoas na sala.) Azar tambem! Hahahahahahaha!

Não demorou alguns minutos com ela entoando canções cafonas, e bebendo e fumando, e todos quietos, com caras de réu, com caras de hell.

Ela chamou Marcelo, e explicou alguma coisa, na verdade, ela nos colocou educadamente pra fora, disse que teria uma "limpeza" agora, só para as pessoas da casa, e que outro dia, amanhã, ela viria novamente, e para chegarmos cedo, que rolaria um "mela-cueca", uma dança, uma festinha. Mas que hoje, já era algo marcado, a tal da limpeza.
Então ta, Marcelo se despediu dela com um abraço e dois beijos no rosto, ela parecia gostar muito dele, mandou um monte de santo acompanha-lo.
-Vamos pessoal!_Marcelo disse.
Angelica e eu demos tchau de longe, ahhhh, pra quê bicho? A Maria Rosa pirou!
-Venha me dar um abraço, sua cachorra! Vai embora assim sem falar comigo é sinhá puta?
(Angelica dar um abraço na Maria Rosa e escuta conselhos para abrir as pernas sempre que nescessário, fodche, fodche, fodche.)
Minha vez.
Um abraço apertado. Toda a afetividade veio dela.
-E tu fio? Tu ainda vai fodcher hoje?
-Errr... Não.
-Por que não?
-Porque não.
-Tu fodche com ieu?
-Não.
-Por que não? Tu não gostou de ieu?
-Errr... Gostei, mas... (Sorrisinho amarelo)
-Tu gosta de buceta?
(Amarelo manga foi minha cor nessa hora, todo mundo me olhando e eu todo sem graça.)
-Gosto.
-Buceta é bom fio, come memo, eu tenho! Tu num quer não? Num fodche com a paciência dos outchos não, é pra fodcher memo. Hahahahaha!
-Ta.
-Viu? Tchau.
Eu tava tão nervoso e sem graça, que quem é timido sabe, que todo timido tem um quê de ousadia, e a ousadia nessas horas é tão descabida e efêmera que você nem pensa.
-Errr... A senhora tem um careta aí?
-O quê?
-Cigarros.
-Não! Aqui não é buatchee! Ta pensando o quê hein? Não vou lhe dar não!
-Ahta, brigado. A senhora é muito gentil.
E assim dei as costas e fui-me embora, sem olhar pra trás e sair com a garagalhada daquela mulher misteriosa ecoando nos meus ouvidos, e certamente com os risinhos dos caras de hells daquela sala embalada por caras tristes, uísques, cigarros e baladinhas bregas.
Saí numa chuva fina que resfria, sem mais nem por que, o meu olfato ficou apurado, e parecia que eu podia sentir todos os odores do mundo.
Enxofre, carniça e sabão em pó, cada um em seu momento, cada qual em uma rua diferente.
Passei por duas encruzilhadas, cheguei em casa, tirei toda minha roupa e mais parecia que eu estava tirando um fardo, ou uma pesada armadura romana.
Energia pesada ou chuva fina que resfria?
E viva as opções!
Em tempos de cão botar, fecha os olhos que tu encontra.

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