segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A sétima situação dramática


Parou lá na praça da Sé, na praça da Suplica, porque morava ali perto, estava fantasiada e ainda nem era carnaval, estava assim porque fugira correndo daquele lugar que não era dela, nem de ninguém, enquanto o tempo gastava em vão, ela gastava sua solidão olhando pela janela do ônibus as coisas que passavam ligeiro, as velhas cheias de estrias e rugas correndo com o movimento do ônibus, e vê aquela gente desconhecida somente uma vez e nunca mais, somente por alguns segundos. Os homens jogando dominó na porta, as putas fazendo ponto aquela hora da madrugada no frio que pede um cobertor de orelhas e não uma mini-saia, as casas que também corriam, os carros que também corriam sabe-se lá pra onde.
Encostada a cabeça no vidro sujo da janela do ônibus, ela viajava na escassês de um barco de quatro rodas e um motor, e ainda podia sentir o gosto ruim de galinha e terra na boca.

Mandou parar ali no ponto, na praça da Sé, na praça da Suplica, porque morava ali perto.
Descera sem olhar para o motorista, e o cobrador que havia roubado dela um tanto de sua beleza e o pouco de seu dinheiro suado.
Desceu segurando um chucalho novo e o vestido vermelho de seda e renda, como daquelas mulheres sexes, exibindo para os mais atentos um esmalte vermelho que havia pintado naquela tarde em que disputava a atenção do sol com a novela das 6, o sol que se foi dramatico, e ela hora ou outra prestava atenção na tevê, no que a mocinha falava, para repetir para os canalhas da noite, no tom de deboche. Ela que era vinte vezes mais esperta do aquelas mulheres do terreiro, e do que todas as mocinhas das novelas. Desligou a tevê.
Vermelho eram seus olhos e seu batom escarlate, desenhado meticulosamente para aquela que iria emprestar seu corpo, as rugas que iam aparecendo, a boca partida e ressecada, não só estava aprendendo a desenhar coisas herméticas, como agora só fumava no canto da boca, não negava fogo, o meio do seu lábio já estava partido sobre camadas vermelhas de batom.

Há dez metros e cinco passos dali ela avistava a sua casa, a sua varanda com seus xaxins e samambaias, as crianças sujas de ruas sujas, brincando na rua disputando espaço com os pombos, e ela quando passava rebolando suas ancas, suas pernas grosas, e o seu decote_ enxarcada de alfazema até a alma_, fazia espantar todos os pombos, deixando para a pivetada o espaço de fazer um gol e ser feliz.
Pegara a correspondência e entrou, a porta se fechou atrás de sí, acendeu a luz acendendo um cigarro, fumando no canto da boca, procurando com os olhos o cinzeiro para deposita-lo e poder se libertar daquela roupa sagrada e vulgar. Achou.
O cigarro que fumegava tranquilo, pousado.

Descalça, foi até a penteadeira do seu quarto, e tirou de cima do espelho o pano que sua ex sogra havia lhe dado dizendo que era indiano e que lhe trazia sorte. Não trazia não. Libertou o pano indiano do espelho e se viu.
Se ver não era o bastante para ela, contemplar a completava, ela era unica, ela era bela e tudo estava em ordem, as coisas estavam nos seus lugares, quem era para dormir já dormia, Oxossi que peitava Iansã, que dançava demais, a rainha dos trovões que não se importava, o dia que amanheceu cinza, as milhares de pessoas que ainda morrem, a luz enfraquecida do abajú, aganjú conju tebole, e a porta do quarto da sua filha entre-aberta estavam do mesmo jeito que estava quando saiu, o relógio, os tic-tac, a paçoca, e o mundo que girava sem lógica.
Há essa altura o seu batom já estava marcado no papel higiênico posto à mesa do criado-mudo com cheiro de oléo de peróba, os brincos pousados, as mãos cheias de dedos, os dedos cheios de anéis, bijuterias vermelhas, um brilhante ao lado de um 'solitário'.
Tirou tudo.
O seu vestido, os apetrechos, como num ritual bonito, até ficar nua. Libertou o cabelo do coque como o pano do espelho, caracóis criando formas delicadas em suas costas nua, ainda numa tintura fresca pintada naquele domingo de manhã.
Não escrevia nada há meses, e o santo cobrava sua obrigação. Foi por isso que ela foi até o terreiro, foi por isso que passou horas a fio dançando de olhos fechados, foi por isso que dançava enquanto dormia, que fazia a alegria daquele povo que iria lá só para comer e beber e gritavam "Reparrê!", foi por isso que comia galinha , e roía o osso deitada no chão, como um cão sarnento na frente de todos, a mercê de um erê moleque, que se ralava e se espojava no chão.
"Quem é a mais gostosa aqui?"
e os outros erês de chupeta na boca gritavam: "Mimosa!"

Quando a matéria se pegou naquela trigéssima sétima situação dramática, com todos rindo, principalmente o Jorge; mulato sacana. Saiu correndo, com roupa e tudo e foi parar no ônibus mais próximo, sem se dar conta de como estava vestida, como uma cinderela a la macumba.

_Você mudou bastante. Foi o que disse o Jorge, pai da sua filha, alguns minutos antes dela dançar no barracão. "Está mais bonita." _Completou a ironia.
_As pessoas não mudam, elas só envelhecem
_Ora... E envelhecer não é uma mudança?
_Não. Envelhecer é um ciclo natural.

Foi a unica coisa que disse sã. Enquanto ainda não era Iansã.

2°.


"De onde eu estava, podia ouvir os cupins comendo a minha porta, bem, eu estava na imensidão gélida da minha cama de solteiro, num hotel barato, de bruços, com o braço jogado no chão do quarto, um dedo segurando o cigarro que eu não fumo, com a cinza imensa, sem cair... Mentira, já chega de mentiras, eu estou numa lan house escrevendo essas bobagens, mas noutro dia, enquanto eu tentava dormir ao lado de Joana, eu ouvi os cupins comendo a minha porta, que seja! antes ela do que eu. A unica verdade disso tudo é que seguro um cigarro que eu não fumo, com a cinza imensa sem cair. A lan house também serve como um bar meia-boca, o que é uma ótima ideia, enquanto um monte de idiotas mentem na sala de bate-papo tomam uma cerveja para se inspirar mais e mais. Mais e mais mentiras, é disso que as pessoas gostam, de uma mentira bem contada, e enquanto esses idiotas contam suas mentiras, não sabem, mas são alvos de mentiras também, talvez esteja conversando com um homem barrigudo e peidorreiro, ou um republicano veadinho, e não uma loira gostosa que saiba manejar bem um boquete."

No dia seguinte da dura confirmação de Joana sobre sua paixão súbita e arrebatadora por aquele homem que a havia estuprado aos 22 anos, deixando nela algumas sequelas e um filho mongolóide, que hoje eles criam juntos_ Xavier viajou para uma casa de praia dos pais, em Buzios. Onde ele passaria cinco ou seis semanas, talvez menos; depende do tamanho da sua ferida. Nunca imaginou que sofreria tanto com a ausência de Joana, eles estavam casados há tantos anos que ele não poderia imaginar que tanto amor assim ainda existisse nele, e que tanto amor assim poderia doer tanto. Na verdade, com tantos anos de casamento o amor relaxou, como uma lycra, um elástico velho que ainda segura as calças do homem ou de quem quer que a vista, um chiclete que vai perdendo o gosto. Com eles eram exatamente assim, estava tudo desgastado, mas ainda havia o comodismo cumplice, as quinquilharias do costume de ambos, Xavier; como todo homem, jamais imaginaria que esse corte viria de Joana, Joana que parecia lhe amar, Joana que não bebia além da conta, Joana que cuidava da casa, Joana que cruzava as pernas e balançava os pés, como uma puta, quando uma outra mulher ficava bricando de jogo do siso com ele, ele que sempre perdia de propósito e desviava o olhar para Joana, no final das contas a conta era sempre dele. Pra onde foi todo esse ciúme? Pra onde foi todo esse amor? E que história é essa de se apaixonar pelo cara que a estuprou há anos atrás? Que papo esse de que se sentia sufocada? Que merda é essa? Onde ele estava esse tempo todo?

Provavelmente na sua confortável poltrona assistindo a filmes, futebol e canais de televendas, comprando grill pela internet no sábado a noite, enquanto Joana lia um livro, ou fingia gozar.

Xavier resolveu descer da cruz, e pensou que a numerosa quantidade de pessoas em Buzios amenizaria a tristeza pungente, frenquantaria as praias; ainda estava um coroa enxuto, as casas de shows, já que ele tinha um emblema performático, as vendas esótericas, já que ele tinha um ar nosense dos anos oitenta e ainda trepava ao som do Led Zeppelin, voltaria até a fumar maconha, que se dane a Joana! Ele iria agora curtir.

Todos os prazeres se resumiriam logo em conhecer uma linda mulher, era disso que ele precisava, mas as tentativas passavam por volta do alçapão, mas nunca entrava, era sempre uma bola fora, a minhoca que boiava na agua pendurada no anzol, os peixes que passavam e entortavam a boca, o queijinho de minas que ficava podre na sua ratoeira cansada. E Xavier que sempre se encontrava bêbado e lesado por um ou outro esperto que se fazia de amigo e lhe roubava quando esse não estava mais em seu estado normal. A verdade é que estava ficando velho, não dançava tão bem assim, e tossiu muito quando fumou maconha, além de ter ficado neném. Fumou maconha com um homem que ele daria uns trinta e poucos anos, um autêntico pescador Buziano e albino, de cabelos longos e loiros, de olhos esverdeados como dois rubis e sempre sorridente. Um nativo, descedente de polonês, acho que o tataravô.

Uma noite dessas tantas noites de sábado, que é o dia mundial da trepada e do ócio, caminhou pela praia, passeou pela orla Bardot e foi ao cinema, um filme horrivel passava, saiu no meio e foi procurar um bar tranquilo, longe de toda essa gente que se repete como disco arranhado, ainda por cima irritante. "Fique longe das multidões, isso não melhora o astral de ninguém, na verdade, só te deixa mal-humorado. Compre bons livros, é o melhor a se fazer." Disse o pescador.

Xavier pede uma cerveja gelada e passa os olhos no livro que comprou, é Bukowski, para talvez piorar o seu estado, na verdade, ele deu uma lida na livraria e se sentiu bastante cumplice do mal humor da página 147, como se ele tivesse escrito. Taí, gostei desse cara, Joana com certeza conhecia esse tal de Charles Bukowski, ela era muito mais culta do que ele, ela é uma boa mulher, linda, inteligente, e traidora. Uma mão de um braço curto tocou no seu ombro quando ele estava levando o copo de cerveja à boca. Virando imediatamente viu aquele rosto sorridente, uma boca imensa cheia de dentes e dois olhos que de parecido com rubi só tinha a cor. Era o autêntico pescador Buziano e sua linda esposa, uma loira sinuosa de postura elegante, mas com um ar de bêbada, os grandes seios espanhois berrando no decote do vestido preto.

"Mama aê, ô mama aê!"

-Como é que você está companheiro?

-Hã? ah, bem, eu... eu tô bem. E você?

-Tudo otimo. Essa é minha esposa, Lilia.

-Muito prazer Lilia.

-O prazer é sempre meu.

Se pudesse ter visto os olhares que ambos trocaram, eu não precisaria escrever que Lilia acariciava o pau de Xavier enquanto eles jantavam, e enquanto seu marido falava de pesca e de livros também, desabotou o botão da calça, deslizou a mão no zíper, desceu, o pau saiu pra fora e ela acariciou com a sua mão gelada despertando em Xavier um gemidinho suave, ela iria masturba-lo ali, ao lado do seu marido, que por sinal era uma boa pessoa, mas Xavier não queria saber disso, era um homem com muita porra acumulada ao lado de uma mulher infernal que batia uma pra ele.

Duas mãos se encontram em volta dum pau teso, era a mão do pescador que também queria bolinar, se tudo isso pudesse ser visto, eu não precisaria escrever que no final das contas os dois transaram a três, e foi uma transa muito boa.


-Eu preciso te contar uma coisa. É tudo armação do sistema. A bebida também é uma droga, destrói a pessoa, e há o alcolismo, mas mesmo assim é uma droga lícita, sabe por quê? Porque é industrializado e o governo ganha com isso, exportando. Já o cannabis não, a maconha uma vez legalizada, todos irião começar a plantar suas mudinhas nos seus quintais, porque ninguém é besta, e quem não tivesse quintal plantaria em jarros imensos e apoteóticos, o comércio iria cair. Já o uísque... Bom, não tem como plantar uísque no quintal, nem em jarro nenhum...

-Você está usando drogas?!

-Hãn? Não! Não mãe, eu só uso coisa boa.


Os lixos estão na porta; um amontoado de coisas usadas e azedas embalados em sacolas plásticas azuis, latas de tintas velhas e coisas enferrujadas também recorda o lixo. Santos em imagens e corsários enfrentam o lixo e assombram casarões.

Tudo é luxo, até a misanga que faz força para brilhar no escuro (o sol no centro do meio dia.)

Tudo é lixo. A dor que vira pó, as pessoas melhores que você, a rosa muda e bonita que por querer se destaca, flor no lixo, sã e só.

Todo luxo é um lixo bem tratado.

Peitos fartos e fortes

Maria da beleza
Dona de perdas e ganhos

dos homens de familia, dos garotos que ainda não ejaculam

das mulheres que não amam

de outras tantas que amam demais

Dai-nos atenção, porque a humanidade é o seu futuro estupido rebento.



José sente-se sufocado com o cheiro da morte, ela não fede, é bela e cheira a incenso de jasmim com um pouco de detefon, a morte tem marcas roxas no seu corpo, é branca e tem cabelos cor de pôr do sol...
José sente-se agoniado com a presença da morte, vivíssima na sua frente, primeiro foi a respiração, lenta e tranqüila, depois foram os olhos abrindo-se aos poucos como se ela estivesse acordando de um longo sono, a morte boceja, abrindo uma bocarra descomunal e completamente desdentada, a morte espreguiçasse abrindo seus grandes magros braços, com se quisesse abraçar o mundo. José continua intacto. Onde está fica olhando para Maria Deprê, ali na sua frente, nua, sentada na maca, olhando para os desenhos feitos de canivete no seu corpo.
-Nossa! Estranhos... O que querem dizer?
-Eu não sei... Eu não sei o que eles querem dizer Maria...
-Exótico. Taí. Gostei!
Maria Depressiva estava branca que nem papel oficio, só os seus cabelos cor de pôr do sol dava cor e vida para o seu corpo.
-É... Por que é que eu tô nua?
-Você, você... Não lembra de nada?
-Lembrar de quê?
-Nadinha de nada?
-Meu Deus José, pra quê tanto mistério? Que cara é essa? O que aconteceu?
-(...)
-Vc ta estranho... Que lugar é esse?
-Isso aqui é um necrotério... É onde ficam as pessoas mortas.
-Eu sei. Eu sei o que é um necrotério. Quer dizer então que, eu... Eu morri? É isso? Eu tô morta? Responde José!
-Não sei. Acho que sim!
-Você também?
-Não, eu não.
-Então como, como é possível? Você fala com os mortos?
-Não, nunca falei.
-Você também não morreu?
-Não.
-Tem certeza?
-Tenho.
-Então eu também não morri!
-Morreu sim.
-Ah é? Porque vc tem tanta certeza?
-Porque eu vi você morta.
-Viu? Viu como? Como você ta vendo agora?
-Sim, só que dá outra vez você não falava, nem respirava, nem bocejava. Você estava morta.
-Você bebeu José, ta cheirando loló?
-Eu estou são.
Ai de mim santo Expedito, o que queres com isso? Sei bem que isso é uma vertigem minha, sei que é tudo imaginação da minha cabeça doentia, mas ela parece tão real, tão verdadeira, me fita com verdade, com aqueles olhos verdes que arrebenta o meu coração, e com aquela boca apelando um sorriso, aquela voz que me lembra sons de cama, ela me olha nos olhos como se quisesse fisgar de mim a verdade que nem eu sei se existe. Agora ela cruza as pernas, escondendo o sexo e seus pêlos pubianos, ela balança as pernas como num ritmo de tango, põe os cabelos para apenas um lado do ombro, o direito, tudo isso sem deixar de olhar pra mim, santo Deus! Onde isso vai parar? – Zé.
-Eu.
-Você tem cigarro? Eu tô com uma vontade looouca de fumar.
-Cigarro? Deixa eu ver... (Procura nos bolsos) Ah, tem um aqui.
Eu acendo o seu cigarro com o isqueiro que vc me deu antes de morrer, e o fogo em muito poucos segundos ilumina o seu rosto como o raio da celebrina, celebrinas do edén.
- Continua amor, confesso que está interessante a história da minha morte.
- O que você quer saber?
- Como eu morri, eu não lembro como eu morri.
-Tem certeza que você quer saber?
-Tenho.
- Você foi assassinada.
Ela fuma olhando para a brasa cor do seu cabelo queimando a ponta, seus olhos ficam lacrimejados, e parados no seu corpo riscado a sangue desenhos estranhos. Põe o dedo indicador na testa analisando a marca da bala.
- Assassinada? Tiro?
-Dois.
- Aqui... (Passa a mão na testa) E aqui... (Passa a mão no que restou dos lábios) Na boca também?
-Na boca também.
-Caralho, que desgraça. Eu devo ta horrível. Você tem um espelho aí?
- Não.
Agora a morte cheira a cigarro, jasmim e detefon.
-Mas você continua linda...
- Sei. Você só ta falando isso pra eu não ficar triste.
-Eu tô falando a verdade.
-Jura?
-Juro.
Ela fuma até a bituca do cigarro, e o apaga na veia do braço esquerdo.
-Meu corpo dói, parece que eu levei uma surra.
-É que você foi jogada do sétimo andar.
-Puta que nasceu! Do sétimo?!
-Foi. Você não lembra mesmo de nada? Nadinha de nada?
Ela agora fica calada, conversando com o teu silêncio, esse silêncio que me mata, me esmaga, me mastiga, depois cospe como se eu fosse um resto de nada.
-José.
-Quê?
- Me responde uma coisa?
- Fala?
-Foi você quem me matou?
José respira o ar puro de fumaça, detefon e jasmim, procura ser sereno.
- Não. Essa é uma pergunta que eu nem sei te responder.
- José, você não me mataria, mataria?
-Não, nunca.
-Então quem?
-Eu não sei meu anjo, eu não sei.
- Se um dia você descobrir quem me matou, você vinga a minha morte por mim?
- Vingo.
- Promete?
- Prometo.
- Não me deixa cair no livro do esquecimento?
-Eu não vou deixar.
-Eu não quero morrer... Ninguém me avisou que eu ia morrer, eu ainda tinha tanta coisa pra fazer, eu queria ser ativista, eu queria ser mãe, e o concurso de fotografia? E a minha tatuagem? E o rock? Eu não vou mais dançar rock ‘n’ roll?
-Parece que não meu anjo.
-Isso não me parece justo.

Meu peito está amassado como uma lata pisada. Eu não vou chorar, eu não vou chorar...
-José.
-Oi.
-Eu tô com sono, isso é normal?
-Talvez.
-Me dá um abraço?
E ela estende os seus grandes magros braços como se fosse Jesus Cristo, e eu a aceito, eu abraço a morte, eu beijo na boca da morte, um beijo quente num corpo frio, que me lembra vodka, e ela volta a me abraçar dizendo: - Não me deixa sentir pena de mim mesma onde quer que eu vá parar, eu não quero me tornar uma lembrança triste nessas tardes vazias de domingo, eu não quero ser uma Joana Darc, uma Olga Benário, ou uma Pagu que foi se apagando aos poucos, que ninguém mais se recorda.

- Olha, pelo menos pra mim você vai ser inesqucivel! Eu vou ser o teu Luis Carlos Prestes, teu Oswald de Andrade... E tua fé. Você vai ser canonizada por mim. Vai ser a Joana D’arc. do meu coração!
-Eu te amo.
Maria Depressiva deita na maca e morre.

Minha avó falou assim: Se fosse chic eu andava nua, o desmazelo é o meu charme. Falou assim andando, seguindo os passos daqueles que só esperam a hora de morrer, sustentando a velhice de um rio que não dá na praia, arrastando seus chinelos de dedo pelo chão aspéro da cozinha. Minha avó não tem paciência.

Mas a morte é isso, e não passa disso; é menos um. Na hora da morte o nosso corpo fica sucetivel a tudo que pode ser verdadeiro, é como adubo, qualquer coisa vira cicatriz, ou uma flor. Uma musica que tocou numa rádio não muito sintonizada, em agudos roucos, meio súplica para ser consertado no meio de tantos bêbados loucos que não estão nem aí, nem chegando. E mulheres aspirantes a carpideiras, de luto até o punho fazendo rendas dominicais todas juntas exalando um cheiro discreto e inebriante de pólvora e amor engordurados em seus seios fartos e secos, como azulejos portugueses. Há muitos e muitos anos não consumidos por linguas francas de adolescentes débeis, as mulheres lembrariam ali até então da ultima vez que a chuva desabou sobre seus corpos nus, naquela tarde, naquele medo de ficar nua e se descobrir mulher comendo a sí própria, com os olhos parados no espelho de efeito_ que para se enxergar é preciso se mirar sem se irritar, é algo como sofrer sem sentir dor, o sofrimento é opcional, é ficar chateado sem se concentrar no que te chateia. Algo bem dificil, mas que há quem seja adepto.

Troque os dedos por linguas meninas. Desbravando telhas de aranhas adormecidas e respirando o mofo cruel do tempo inevitável, o espirro seria anunciado pelo reis de copas daqui a três dias.

Daqui a três dias se fazia o futuro que ninguém sabia, para depois tudo voltar a ser novo e velho, novo e velho de novo, e todos os jovens que morreram na guerra, e o Bush que toma petróleo no café da manhã, e os hipócritas e toda sujeira daqui a uns cem anos continuaram aqui.

A imprenção que temos é de que tudo fica, que com um tempo teriamos mais pessoas em nossas vidas, seria o natural. Mas não é dessa forma que as coisas acontecem porque nem tudo segue a lógica, muito menos a vida, com o tempo o numero de pessoas que nos cativa cai junto com a bolsa de valores morais e só resta você e suas experiências. É o que eu chamo de muita coisa. Porque é mais seguro se masturbar, mesmo que você, como eu, ache o sexo a melhor coisa do mundo, mesmo que com isso você acabe sustentando uma imagem trágica, uma dignidade patética e um egoísmo só seu.

Nesses dias assim, de brumas e brahmas, banho quente vira depressão, mas você só quer se divertir.

p.s: Todo mundo que você conhece vai morrer um dia.
























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