sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Eu pisei nos teus pés de barro.

Todo sofrimento é um ciclo que vai se acabando aos poucos e serve para se salvar depois, eu já estou começando a me arrepender de dar conselhos a minha mãe, estou a deixando amarga.
Ela me dizia na sala, depois de ter chorado muito lavando a louça, ela decorava mentiras para conseguir acreditar.
"Me separar? Separação? Nem pensar! Não vou dar esse gostinho aquela puta, eu vou sou seguir aquele seu conselho de hoje de manhã, aquele sobre as lágrimas. Eu ainda tenho muita coisa para fazer nessa casa, eu quero provar do bom e do melhor, e esfregar a cara dela no meu joelho áspero, é claro. Ainda falta trocar os pisos, os azulejos, as cáries, uma poltrona para aquele canto, hidromassagem verdadeira, uma japonesinha engraçada que me conte estória pra dormir, vou contratar uma russa ruiva que fume comigo escondido no cinema, vendo bobagem, eu ainda quero uma homenagem... Um homem que me ame e me coma com medo de me perder no outro dia. Não... Não quero ter independência, autonomia, o escambal! Quero ser dona de casa demasiada, como aquelas dos anos 20, aquelas sim era bem mais provável um bloco de construção não cair em sua cabeças. Não eram cansadas, como eu sou hoje..."

E minha mãe me dizia isso, e eu fingia prestar atenção, enquanto isso, um telejornal das sete horas da noite exibia imagens de familias no sertão quente; eles nunca virão um incêndio, mas naquele dia suas casas de palha e pau-a-pique pegavam fogo, labaredas de calor anunciando a chuva, nuvens carregadas; que são da cor do cabelo de minha avó, mãe de minha mãe.
Perdiam o pouco que tem, lesados pelo sol, amigo dos cactos salgados.
Perdiam a pobreza da esperança, enquanto minha mãe no auge da sua concepção infeliz, no topo da sua solidão carrancuda, tentava enganar sua prole com a sua tristeza mal disfarçada e com o seu nariz exdruxulo.

Um comentário:

Isa Dora disse...

Mais um de seus belos textos.

;)