quarta-feira, 6 de junho de 2007

Dona Alice no país do haxixe.


Enquanto eu tingia meu cabelo de vermelho, ele me explicou alguma coisa que entendia muito bem, mas eu não prestei atenção. Queria que soubessem, sem eu mesmo contar, o que eu penso quando as pessoas falam de fascismo e burguesia.
Ouvi dizer que ela ficou louca de tanta alegria, entre os seus livros velhos, pórem, não menos queridos, havia Proust e Stendhal.
Dividimos um pequeno lençol fino acalentando os pés, os pés acalentando os outros pés.
Amamamos um ao outro no escuro, e foi bonito como se fosse claro. Amamamos um ao outro na presença dos outros, não via-mos, tudo era apenas tato, e fomos tateando sentimentos... É como tocar num fio descascado e esperar o choque, é como provar uma deliciosa comida e esperar o sabor.
Apesar do chão frio, do desconforto e dos odores próximo ao meu corpo, dêi-me ao luxo de sonhar, sonhar com mil japoneses iguais, dormindo todos em um grande quarto, todos em corcova.
Pela manhã, acordei com a moça pisando pesado pela sala, pernas de alicate, ombros de coqueiro ao vento, bons observadores.
Olhos remelentos limpados com dedos e linguas, bocejos sem bom dia, levantar acampamento.
Fomos nos alimentar na casa de dona Alice, e pela rua, um carro de som anuncia uma morte, e pede com a voz de quem faz o seu trabalho para irmos ver o morto.
Seu Quiquito, não o conheço. Mas eu desejo que alguem o tenha.
Entramos na casa de dona Alice, e ela nos recebeu com bolos de revistas velhas e café requentado. Se queixava, a velha cheia de elefantíese, retrato fiel de Portinari.
"Fui no hospital, e o médico me recomendou esses remédios" _ Abrindo o saco e expondo inumeras cartelas de remédios caindo no chão. A velha retomou ao catar todos os antibióticos._
"O médico me disse que esses remédios era para toda vida..."
Iria para o lixo, junto com as revistas, um album de fotografias antigas, um casamento em cor cinza. Deixo explicito para vocês, porque tenho que ser verdadeiro comigo, mesmo sem barato nenhum, roubei uma fotografia pretoebranco bem tirada, não iria fazer falta para quem um dia presenciou tamanho feliz fato, suponho eu.
Do outro lado da rua, dois recem casados saiam felizes da igreja e sustentavam sorrisos para os flash´s, e engoliam arroz e feijão com irritação disfarçada.
Gabo comentou:
"Já tem mais de uma hora que a gente está aqui, e aquele casamento não acabou, eles ainda tiram fotos!"
"É para guardar numa moldura, e dizer que um dia foram felizes."
O copo descartável indo embora, vento levado, e o garoto punk me deu ontem a bebida forte e me disse que tinha gosto de ferida, acabamos por disputar a bebida doce com as moscas.
Voltemos para a dona Alice.
Ela era simpática, baixinha de cabelos brancos, parecia meio mão de vaca cansada. Vigiava o açucar consumido, porém, só tomava adoçante.
E eu pensei ao beber o café requentado:
Tudo o que é doce atrai moscas.

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