quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Mochicas.

DE MEDONÇA, MARIA A. 17 ANOS.
Sexo feminino. Brasileira. Cabelos ruivos. Olhos claros. Tempo de morte: 03:00 hs, ainda em estado de decomposição significativa. Causa de morte: Ferimento à bala, calibre 38, vestígios de estupro recentes, ferimento ‘A’ disparado em contato com a boca, explodindo o maxilar superior, e um buraco na garganta. Ferimento ‘B’: Um tiro na têmpora, expelida da mesma arma, arma por sua vez automática. Ferimento ‘C’: Corpo destroçado em função da altura da queda, sétimo andar, tecido facial mole. Três ferimentos fatais. Rascunhos feitos no corpo da vitima com canivete, desenhos sobre a historia dos Mochicas, tribo canibais em rivalidade, no seu umbigo, o desenho do terceiro olho feito por sangue, abaixo do umbigo, o rabisco de um Lorde bebendo o sangue numa taça.

Um corpo foi só o que restou de toda uma vida, o resto de não muita coisa.
Um corpo, frio e sombrio, branco, magro e retalhado.
Agora sua cor natural mistura-se com umas marcas roxas feitas cruelmente pelo canivete de um assassino sem escrúpulos. Seu rosto não tinha expressão, na sua testa, ainda havia o furo causado pela bala atingida na têmpora, sua boca estava preta, seu corpo estava roxo. O necrotério por incrível que pareça não tinha cheiro de morte, cheirava a detefon mesclado com incenso de jasmim, mas era sombrio e assustador, sua luz era clara e bucólica, e ficava pendurada no teto, iluminando o defunto.
A noite já se fez, a cidade parecia entrar em colisão, burburinhos por todos os lados, buzinas, pessoas falando alto, pessoas gritando, pessoas sofrendo, pessoas rindo com o sofrimento das outras pessoas, e o necrotério não ficava privado dessas pequenas causas como todo qualquer necrotério, era como se essas pessoas estivessem ali, era como se fosse uma vitrine, e Maria Depressiva como uma manequim, as pessoas passavam, observavam e comentavam. Só que não era isso que acontecia, oh pobre Maria Deprê! Até no finalzinho da sua vidinha as pessoas te desprezam, não te notam, precisavas tu outrora pintar-se de batom escuro e maquiagem cor de queijo palmira, fingir que era uma porra-louca vertiginosa e desordenada, mas tu nunca passou de um brinquedo, uma ovelha negra de um rebanho albino e judeu, tu que foste a própria filha da puta, tu que tem sangue azul de barata nas veias, herdada de tua mãe, Maria Madalena, que sempre se esforçou para ser uma mulher honesta e fiel, mas ela era fraca e se entregou a Epicuro, Epicuro não é teu pai, nem o amante de tua mãe, ela apenas pensava como ele.
Tua mãe apesar de ser uma respeitável dona de casa, ela gostavas de ler filosofia, a miséria da filosofia, que não era de Karl Marx, mas era de Epicuro, sim, foi Epicuro que ensinou a ela a ser uma adultera, a obedecer os seus instintos carnais, fazer o que deseja e o que tem vontade, só assim ela seria feliz, e ela pensou; eu ainda posso ser mais feliz do que já sou? E o Epicuro peculiar de seu subconsciente disse; - Ora! Não sejas tola! Quem te vendeu essa ilusão? Quem te disse que tu és feliz? E ela falou; - Mas sou! Tenho um marido que me ama, tenho uma filha... O fruto de um belo amor!
E Epicuro, sarcástico que é, zomba dela; - Idiota eu sei que tu és, mas cega... Enxerga-te!
Aprendestes a conviver com esse amorzinho ultra-romântico de merda, porque tens medo de sofrer, não sai, não conversas mais, não cantas, não vai ao cinema, porque não tem com quem ir, porque não tem com quem falar, por isso se acostumou a fazer tudo igual, a assistir a novela das 6, das 7, das 8, jornal e vai dormir para depois fazer tudo novamente. Morreste Maria Madalena, vc não tem mais valor nenhum perante as pessoas, porque elas te esqueceram, não lembram mais da tua cara porque tu se confinaste no necrotério da tua vida, no necrotério do teu coração.
Pensa que eu não sei que tu passas todos os dias pela portaria da biblioteca pública só para povoar a imaginação suja do seu Firmino, aquele velho barrigudo e careca? Pensas?
-Calunia! Isso é uma mentira!
-Sabes que não é.
-Eu passo por ali porque é mais perto de minha casa, só isso!
-Segues aquele caminho porque gosta de ser desejada, já que o seu marido não te olha mais como uma mulher, chega a se arrepiar ao vê o seu Firmino, aquele velho barrigudo e careca, aperta o pau olhando para o seu bundão, fica molhadinha, não por desejo de seu Firmino, aquele velho careca e barrigudo, mas por ele te desejar, proliferando vulgaridades saídas daquela boca cheia de dentes comprados, onde o palito habitual do almoço criou moradia naquela boca de dentadura e mau hálito.
-Chega! Para! Eu não quero mais saber!
-Eu sou o que tu chamas de consciente, o seu amigo de cabeceira, aquele que se mistura com revistinhas de telenovelas e fuxico, mas que permanece ali, sempre atento para quando tu me quiseres ler, e eu sei que tu gostas de mim, porque comigo tu se sente importante, tu se sente uma filósofa. Ora já se viu! Uma Filósofa! Tu só me divides tua atenção com aquelas revistas que tu pegas debaixo da cama sempre quando está sozinha, aquela revista com o nome estrangeiro: Private. Então tu começas a folhear com se estivesse folheando a revista Caras, também tu lê alguns contos eróticos que o povo envia para a revista, e tu lê com a mesma naturalidade que lê na revista Caras que Deborah Seco traiu o namorado, e que Vera Fischer foi internada mais uma vez por abstinência tóxica, tu gostas do que vê, morde levemente os lábios, como se estivesse saboreando com os olhos o bufê da festa burguesa de Caras, tu se põe na pele da personagem do conto, uma mulher comum, como tu Maria Madalena, chamada Jussara, Jussara leva o motorista do seu marido para a cama, e fode com ele como uma cadela no cio, e não se esquece dos detalhes, porque o diabo está nos detalhes, tu agora, só de lembrar Maria Madalena, estás encharcada, como estava naquele dia em tu pensavas que era Jussara, seu dedo avulso era impertinente, queria ir sempre mais fundo, tu então não se contentava com um, portanto botou dois, logo três, e tu gritavas de dor e prazer, sentia um arrepio lhe subir a nuca, sentias tua perna ficar bamba como uma vara verde, ajoelha-se no chão, a revista cai, e tu gozas três vezes continua, revirando os olhos como se estivesse tendo uma convulsão...
-Para! Chega! Eu não quero mais ouvir! (Fechando o livro “A arte da filosofia”)
-Não adianta me fechar! Eu estou em vc! Eu sou o que tu pensa, o que tu sente. Não consegue me sentir? Eu estou fodendo com o seu juízo.
Sinta-me. Estou chupando seus miolos.

2 comentários:

Guilherme N. M. Muzulon disse...

Camarada, isso poderia virar um curta de cinco ou mais minutos. Genial!

Guilherme N. M. Muzulon disse...

Camarada, isso poderia virar um curta de cinco ou mais minutos. Genial!