domingo, 3 de maio de 2009

Beliscões de amor próprio (_as claras)

... Pouco fez caso em me receber, entrei porque já era da casa e o cachorro me conhecia muito bem, ela nem saiu do quarto e o cachorro me lambeu os pés, fiquei vendo os mísseis pela tevê, na companhia das crianças e do cachorro. Antes de abandonar o barco e de me senti um proscrito, eu pedir o que era meu de direito: Um Fernando Pessoa que ela não lera, um disco dos Ticoãs que ela arranhou, e um amor retornável que por muito tempo não retornou, sobre o assunto ela declarou: "Aqui está do mesmo jeito que você deixou."
Eu assenti, e antes de partir eu fui à forra e cobrei os copeques de dívidas mesquinhas. Ela galgou, não tive piedade, a essa altura eu já estava às favas com o bom senso. Então, entoei como um hino num cinismo todo particular e vil: "Não se chatei comigo, benzinho. Eu estou te dando a oportunidade de me provar que você vale um pouco menos que nada." _ Seus olhos flamejaram e ela latiu um "vá para todo sempre!". Antes de ir, profetizei: "Eu vou embora, mas um dia eu vou te amostrar o tira-teima". Galopei segurando as rédeas da pequena vilania, da vontade de atingir como se eu fosse um verdugo, de fazer pensar. Não é que eu me importe com tudo isso, é que eu não queria sair por baixo como as galinhas imoladas. Foi mais sensato parar por aí, antes que um tomasse ojeriza da cara do outro, quanto a isso ela fez uma cara de... como se dissesse: "Ora tolinho, eu já tomei nojo da sua cara há muuui-to teeem-po!".
Mas a culpa não foi dela.
Passei meses inteiros sobreando um caso perdido, evitando analisar a realidade a olhos nus da inteligência, puis o véu da fantasia sob minha cabeça e não me zelei. Portanto a culpa é toda minha. Fiz e disse coisas demais, fui sincero muito cedo, me joguei sem medi a queda, joguei limpo e esqueci dos sublimes ornatos da sedução, e de toda parafernália boba de um romance.
O saldo positivo é que todas as forças renascem depois do infortúnio, o coração adquire consciência da força que dispõe, se revigora como um capim a crescer sob um sol resplandecente da bonança. É você ali fertilizado pelas chuvas tempestivas de outrora.
... Ela me jogou a chave e o cachorro me acompanhou até o portão, e assim eu fui embora, com uma leve sensação de que já vou tarde.
A desgraça a todos iguala, até o cão.

Um comentário:

Guilherme N. M. Muzulon disse...

oras, mas tenha o bom senso mermão.