quinta-feira, 21 de maio de 2009

A senhora do azul boreal

"Não, minha senhora. Eu estou cada vez pior."


Passei meus olhos sobre minha vida em construção, o principio de uma obra sem principios nenhum, de uma obra - prima, com a graça de Basquiá. Mas minha irmã, você teria gargalhado se chamassem seus sinceros rascunhos de obra - prima, e ainda me diria, com razão: "A minha unica obra - prima jamais foi escrita por ninguém, nem por mim. Até porque acho as auto-biografias de uma pretenção sem tamanho, e as biografias... Um deleite de fã xiita para quem escreve, e uma esmola para quem ler "

A sua verdadeira obra - prima era a sua própria vida. Mas a minha não, não tomaria esse rumo, almejava as folhas de louros e a acadêmia de letras com seus anciões magnânimos. Estudava minha obra com tal zelo de um pai que observa as fases de sua prole. Como os olhos que são surpreendidos reféns do mar que furtou, me encontrava ali refém das expectativas alheias.

Teria que largar mão de toda essa bobagem e atalhar um caminho, se quiser ser mesmo um artista, enxergar o mundo como um todo, começaria a ter fé nas porcentagens de uma massa repartida em três fatias: Aquela que leu e adorou, aquela que leu e não gostou nem um pouco das letras sobrepostas, e a massa burra que não ler.

Nela, somente nela. Nas porcentagens!

O agrado verdadeiro sempre vem, e é tão intimista o agrado verdadeiro. Exceto minha querida irmã, meia dúzia de conhecidos que nada dão por mim, mas que conversam comigo no rol cafe, ao lerem minha obra - prima ficariam lisongeados, bateriam cabeça aos meus pés, aos pés de um mulato caboclo literato.

O agrado está escondido nas miudezas e as miudezas estão escondidas no armarinho onde compro meus cigarros e molho meu pão no pingado quente, ouvindo lamúrias e o barulho infernal do trânsito de São Paulo.

Com os braços coberto por uma manga da casaca, relo no balcão umidecido, depois pigarreio, bem antes de fazer evaporar a fumaça no ar pauso para sorver o liquido quente, sinto o gosto do rum e admiro as fêmeas na rua andando como se estivesse pisando em ovos, e as raparigas em flor andando como se pisasse em pescoços.

Por dentro não há nada que mereça tanto esforço de detalhes. Oh, sim! Há! A verdade é que sempre há. Se quero levar a sério todo esse mistério, tenho que adquirir a arte do escrúpulo, o maior escrúpulo nas coisas mais banais, escrupuloso ao auscutar e minusioso ao redigir.
Esquecer que os meus olhos se acostumam e calam, guardam e levam consigo como se fosse um câncer. Implacável e indivisivel. É uma pena, sem dúvida. O mau é que sou mui sincero, e a preguiça, o desleixo e os erros ortograficos vão juntos no pacote. Todos de mãos dadas contra mim. Mas a preguiça é mãe de todo vicio, e mãe é mãe.

Digamos que me encontro em uma raia de um vasto objeto... vamos por assim dizer, enrriquecido por sua totalidade em sí, e parco em atrativos. Por serem sempre os mesmos formidáveis atrativos de sempre, e não de outrora. Como o deserto do Mojave ou como um barco sem amarras ao mar, logo deflagrado a rotina da umidade e do calor sob o olhar inquisitorial do tempo. É aí que a mentira é permitida, e é sem duvida convidada de honra. Tudo é permitido nas campinas da imaginação, ainda mais para alguém passional, fadado a exorbitáveis experimentos como eu.


"Sabia que em dois tempos e doze linhas eu transformaria esse pardieiro, no qual me encontro absorto, em um circle vicious da alta roda?"


Da roda da fortuna dos homens de negócios acompanhado de suas mulherzinhas de almas campestres, unica e exclusivamente entretidas numa secreta e discreta competição de vestidos oficiais. Quanto aos homens graduados em fina estampa, a companhia de suas senhoras lhe serviam para três cajadadas: Desmestificar o que está por trás das reuniões da empresa, seja lá o que for que povoa clandestinamente a cabecinha de suas benevolentes mulheres. As mulheres no fundo suavizavam o ambiente torpe e cômico que centenas de pobres palhaços em inicio de decadência assentuavam. Para isso serviam as mulheres dos barões, para serem neons. Para alimentarem o rei inveterado que têm como subsolo a bela pança dos seus absolutos maridos, tão fálidos e gabões, amadurecendo a pretenciosa idéia de provocar ciúmes nos outros, como as mulheres fazem com as suas indumentárias. Igualzinho a elas.

E eles não seriam mesquinhos se eu bem deseja-los. Seriam amigos de velhos atores de revistas, teriam opniões certeira de cinema cerrado entre os dentes, confeitariam a arte com seus mimos. O tema em pauta seria como uma árvore natalina totalmente parcimoniosa, no qual cada um, por sua vez; um de cada vez, daria um passo a frente e figuraria ali seu pitaco, afim de dar um sentido mais bonito em relação as árvores do mês de dezembro. Em dezembro, por exemplo, é festejado o carnaval dos pinheiros. Todos estariam ali, mulheres, basbaques e jornalistas.

Chegariamos a literatura, e finalmente me encontrariam a todo vapor em campo aberto, pronto para despejar mui languidamente, toda minha cultura esperta, apresentar-lhe-ei o meu mostruário, a minha bela colcha de retalhos remendados, com todo o cuidado de um homem instruído a nunca, em hipótese alguma parecer verborrágico. O que acham disso? É tudo que sei.

Escrever é passear por ruas desconhecidas e sempre voltar, conhecer os caminhos e risca-lo do mapa. O antigo prédio redondo da imprensa sempre me localizou. Portanto, não adianta mais se perder por aí num bairro que conheço como a palma da minha calejada mão, quando o asfalto se torna seu amigo tudo é mera repetição.

Aí vem vindo o fio da meada, com o seu gingado de galináceo... Se passar por mim eu o esgano! Aí está novamente senhores o que eu falei em pormenor sobre aqueles pequenos agrados intimistas. Está nos olhos daquela que do seu lugar olha para mim, sem tirar os lábios do seu copo de gim. Seu marido, ao lado, ocupa-se com um vespertino trágico. Era bem gordo, evidente. Roupas justas de cor cinza tombado, as pernas cruzadas elegante, o braços erguidos exibiam o seu rolex de ouro. Não podia ver a sua cara, a tragédia suburbana estava estampada nela. Isso tudo me fez pensar nos bons e velhos detetives dos romances policiais, que faziam fechaduras nos jornais para esquadrinhar o observado, sob o falso álibi de um hábito costumeiro e ordinário do cidadão comum.
Entre mim e aquela senhora _ que celebrava o dia homenageando o azul do céu em seu vestido _ não havia fechaduras, nem portas. Tão cheias de atributos, que só eu gastaria dois dias inteiros em descreve-los, mas há nela também, se reparar muito deliberadamente, uma linha de decadência, talvez por fazer par com esse glutão. Para não estragar a poesia, direi que o outono traduziria como nenhum outro poeta seria capaz, outono estação, outono decadência. Todos os outonos do Aurélio.
Acenei com a cabeça e logo reconheci um sorriso se desenhando em seu rosto maciço, gastei mais alguns segundos em contemplação divina, voltei a mim mesmo e tomei o meu rum, tomei o meu rumo muito tardiamente... Eu já estava intrigado.
Alguns minutos se passaram e eu já estava na minha quarta dose de diversão, o seu marido dobrara o jornal e agora parecia lhe dar total atenção com a sua cabeça cheia de malogros. De vez em vez aquela dama de azul me olhava amável, mas de vez em quando, me olhava consternada e sem pestanejar, como reserva. O seu sorriso, mesmo agora sendo pesaroso, ainda era um sorriso, e ninguém poderia tirar isso de mim. Seria ela alguma daquelas tantas figurantes de furtivas paixões noite adentro? Não iria saber assim de memória, quem bate está sujeito a cair a qualquer momento, porque se esquece.
Como era bonita! E que posso dizer de suas pernas? E que pernas eram aquelas? Sensacionais! Não pude evitar uma violenta ereção quando a vi levantar-se para fechar a janela e se proteger da chuva que começava a cair lá fora, suas nádegas se formavam pneumáticas em seu vestido azul boreal em homenagem a terra, que era de toda forma, da cor do seu vestido. Olha aqui, um lindo rabinho. Como podia ser esposa daquele fanfarrão vulgar e ilustrar morna e complacente felicidade de que tudo está na mais perfeita ordem?
Ora, demagogo por demagogo que escolhesse aquele com mais imaginação e critério! Escolhesse a mim! Ora porra!
Ao meu lado ela seria o principio mais elevado da transcedência, e em minh´alma seria exatamente como perólas enfiadas num cordão.
O olhar é um dedo apontado, me reconhecera de algum lugar? Como poderia saber... Era um artista, oras. Provocava sentimentos nas pessoas. Talvez ela tenha lido o meu conto premiado, Corra como um coelho foi um sucesso na revista Senhor. Agora não via a hora de se aproximar do autor das deliciosas história que a fazia se tocar com tessitura. Como poderia eu ser tão peregrino nas palavras ao ponto de provocar uma ejaculação nunca antes experimentada numa esposa querida e numa mamãe de mão cheia? Como poderia ela se deixar levar pelas palavras sedutoras de um homem que caga igual a ela? Que abuso de partido ele tomava dela!
Ele era eu, e esse é meu delírio.

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