domingo, 13 de setembro de 2009

Mas, que nada.


Quem engana a sí mesmo consegue enganar o mundo.
Eu quase cair com um assopro, mas respirei bem fundo e segurei meus sentidos_ que eu percebia, me escapava. Volvi o rosto e dei três passos cambaleantes pro lado. O caboclo me segurou, eu tentava fugir dali daquela roda infernal e ele fazia cerco impedindo minha fuga.
Enxugou o suor da sua testa nas minhas mãos, passou as minhas mãos no meu rosto, gritou agudo e uníssono no meu ouvido, deu pra ficar meio zureta, mas eu ainda estava ali. O caboclo apontou a ponta da sua lança prata em minha têmpora, suou pra me virar no santo e ficou no vácuo.
Ele desistiu. Eu resisti, eu ainda estava ali presente.
Ganhei uma cadeira cativa ao seu lado, bebi vinho do melhor na cumbuca, sambei miudinho lá na frente, eu disse meu nome três vezes, é que o caboclo esquecia, eu entendo, isso é coisa de quem bebe . Comi da comida de Exu, aliás, Exu come-se muito bem. Tremia, não por medo, mas pela sensação estranha que ainda restava em mim, eles perceberam, e os caras do atabaque puxaram uma musica em iorubá que falava do medo, e os atabaques acompanharam sincronizados. Muito engraçadinhos.

"Ei, você aí!" O caboclo dono da festa, posto ao meu lado, gritou para outro caboclo da festa, o seu cavalo era uma mulata. "O que é que você faz? Você canta, dança,, bebe, faz o quê?"

E o caboclo da mulata rosnou, mastigou algumas palavras desânimadas que não deu pra ninguém entender... "Eu faço..."

"Pois eu só bebo." interrompeu o caboclo dona da festa. "E bebo um barril. Fica aí sofrendo otário... Eu já nasci bêbo seu moço. Como é mesmo sua graça?"


Mais tarde, quando Pena Branca, caboclo de Oxalá se despediu de todos porque iria chover, e começaram a cantar "Ô vai pingar gota de ouro, ô vai pingar...". Me comunicaram que ele gostaria de conversar comigo em off, eu tirei os sapatos para entrar no quarto, porque a energia vem do chão.
Me ajoelhei, ele tomou minhas mãos nas suas e me disse que não tinha pressa, que mirava sua caça pelo espelho e lançava sua flecha sem olhar pro alvo, e veja bem, ele só usava uma flecha.
Que ele era vento e que me conhecia muito bem, que eu amava o belo porque era filho da beleza, e que o meu pai era a prosperidade.
Ou seja, eu sou filho do êxito.
Que o Deus da arte resplandecia em mim claramente, que eu era bom, que eu tinha um coração bom, falou de amores: disse que eu amava de forma errada, mas totalmente intensa, que o meu coração pedia uma coisa, e a razão obrigava outra, e que isso me fazia sofrer.
"Ame, ame com verdade. Ame verdadeiramente. Se houver mentira nesse jogo, não vale apena amar. Se você sofre é por causa de suas duvidas, e os seus anseios e suas frustações são frutos da sua imaginação, é você que cria e alimenta, como uma mãe educa um filho. O que é o medo? apenas algo que criamos para boicotar nossa coragem. Seu moço, uma parte de você é só medo, então... Você nunca será feliz desse jeito. Mas eu vou abrir seus caminhos seu moço, porque eu já passei por tudo que você ja passou bem antes dos seus ancestrais nascerem. Deus é tudo, Deus é o ar, Deus é a água, Deus é o fogo, Deus é essa cadeira, Deus é você."
"Deus é amor, e tudo é amor." Eu disse. Ele fechou os olhos e grunhiu tremendo só um lado do ombro.
"Você tem um coração de ouro. Você vale ouro, mas poucos sabem disso. Sabe seu moço, o seu destino já está traçado, mas você só vai vim quando escutar o seu coração, na hora certa, você não irá mais sair. Eu nunca perdi uma caça, e você é filho de caçador... Eu converso com a minha caça, para que elas se entreguem a mim, porque eu não gosto de machucar ninguém."
"Pelo amor ou pela dor? É isso que você quer dizer?"
"Mas é assim que é em tudo na vida."
E tralalá, e caixa de fósforo.
Fiquei a pensar, até agora estou pensando um par de coisas...
Fiz sexo, e ainda guardo o gosto da deliciosa comida de Exu no paladar, que nem os beijos de paixão tiraram.
O que faz mal não é o que você põe para dentro, e sim o que sai de sua boca. As palavras tem poder e uma vez proferidas, o vento leva pra longe.
Advinha quem é o vento?

Um comentário:

Isa Dora disse...

Belo texto. Preciso lê-lo novamente.

"Ame, ame com verdade. Ame verdadeiramente. Se houver mentira nesse jogo, não vale apena amar. Se você sofre é por causa de suas duvidas, e quem faz as duvidas todas é você, é sua mente.
[...]
Deus é tudo, Deus é o ar, Deus é a água, Deus é o fogo, Deus é essa cadeira, Deus é você.
[...]
Deus é amor, e tudo é amor."


Muito bom, Dom, gostei muito.