quarta-feira, 16 de maio de 2007

As janelas da alma.


O prédio era tão alto, mas tão alto que podia arranhar o céu, de vez em quando o céu sangrava e descia dele um liquido muito rubro, se então escarlate, era muito raro, e quando tal fenômeno acontecia, as pessoas eram mais felizes e se comportavam como idiotas... Bons idiotas!
No prédio havia dezessete janelas, das que eu pude e tive tempo de contar. Dezessete desconhecidos escondiam suas vidas lá, imigravam, eu era apenas o êxodo.
Na janela 75 mora Judith, ela não tinha saco para inimigos, nem familiares, nem gente com medo, veste chambre para dormir, e come cocada depois de cada refeição.
Na janela 60 mora o padre Ludovico, nos dias de domingo, logo após a missa acolhia suas crianças debaixo da batina.
Na janela 51 mora um cafetão, um cafetão que eu não sei o nome, mas se chama Osório, porque tem cara de Osório e porque eu inventei agora.
Na janela 53 mora Odair, casado com José, mas vive de olho no Osório.
Na janela 49 mora Carolina, sofre de sindrome do pânico, toma prozac com fanta-uva, não sai na rua, nem passeia pelo bosque, tem medo de sentir medo e dar vexame.
Na janela 45 mora Violeta Damasceno, mãe solteira, passiva e poeta, vive tentando escrever um romance eloquente, seus textos todos foram recusados em várias editoras, sempre alegando a mesma desculpa, ele não sabia emoldurar a vida.
Na janela 69 mora seu Firmino e Ana Cláudia, casados a vinte cinco anos, são felizes e isso é tudo que eu sei e quero contar.
Na janela 66 mora Jesus, vive fantasiado esperando o Carnaval chegar.
Na janela 70 existe com e como sua mãe, a menina Carlota, ela era tão sem graça quanto o morfo, um biscoito sem sal, uma agua misturada com vinho, ela não embriagava nem a sí propria.
Na janela 54 mora um homem de conciência formada, acreditava que não se podia tocar o céu, nem comer a lua.
Na janela 72 sobrevive Renato, trabalhava numa lojinha da cidade, mas foi despedido porque o patrão descobriu um desfalque na caixa de big-big de hortelã.
Na janela 64 mora com os avós o jovem e mal vestido André, ele tem 17 anos e repete a sexta série pela sexta vez. Mas sabe escrever o seu nome, ao menos.
Na janela 58 mora a gostosa da Lu, ela é cover da Björk na era Sugarcubes, usa perucas e faz tatuagens no seu corpo com sua bic preta.
Na janela 43 morria seu Andágio, pela porta Helena saía com sangue ainda vivo nas mãos...
Na janela 44 vivia dona Clenilda e seus gatos, uma mulher rica e pomposa, mas pobre de espirito, assistia aos filmes B dos anos 50.
Na janela 76 morava Emanuel, pintor, ator e sábio, mas se comportava mal e por isso ficava sem sextas-feiras.
Na janela 52 morava Arlinda, ela se tranca no quarto e chora para Deus ter pena.
E na janela 80 do prédio da frente que não arranhava céu nenhum, não tão alto, nem tão baixo assim, morava um aspirante a escritor, ele tem na lira de seus 17 anos, e escreve sobre a vida dos outros, com a justificativa de torná-las mais interessantes.

Um comentário:

Anônimo disse...

NÃO ME POUPE!