quinta-feira, 9 de julho de 2009

Forma bruta (Texto, eu, a vida...)


Eu me apaixonei, logo, não deu certo. Cheguei muito atrasado no espetáculo, deveria ter conhecido ela bem antes do primeiro e único namorado dela entrar em cena. Oh, como ela é perfeita, ela não trai.
Quando o reboque me resgatou da provincia, nos encontramos e formalizamos o rompimento, ela continuou dizendo que a culpa era minha, que estava se sentindo carente, mas que estava confusa também... Que o namorado trata ela mal, não lhe dá atenção, mas que ela é apaixonada por ele, o que ela poderia fazer?
Eu dei pitacos, não como alguém despeitado, não como o outro, mas sim como alguém que está alheio a tudo, que do alto da sua casta, está vendo tudo com lentes de binóculo e que, como todos, vê que esse relacionamento não tem mais estrada. O namorado dela é um daqueles trastes tão parecidos com outros que não tem nem qualidade de descrição significativa.
Tomamos umas cervejas, e como eu sou um cão eficaz, fiz de tudo e mais um pouco para ela me deixar passar a noite em sua casa... E depois de muita pilha, depois de muita demagogia e promesa cafona do tipo "Fica comigo esta noite e não se arrependerás", ela cedeu.
É claro que eu entendo a recaída de casais recém-separados, isso é normal_ por isso não me senti traído. E por que então comigo seria diferente?
Fizemos um sexo bem gostoso, e dormimos abraçadinhos. Na manhã seguinte ela se atrasou para o trabalho porque não queria pertubar o meu sono, eu já disse: ela é perfeita! Eu esqueci meu patuá em sua alcova. Fui buscar no outro dia, a pedido dela.
É claro que eu me atrasei um monte, eu sempre me atraso. Ela mora longe pra caraleo, e eu fui andando, destilando a brisa e me esquivando dos travecos do boulevard que me pediam dinheiro e faziam promesas de boquetes sensacionais.
Quando eu cheguei em sua rua, ela já estava no sétimo sono, a acordei e ela apareceu na varanda do segundo andar com uma calcinha de pirar o cabeção do meio das pernas.

"Vamos lá! Jogue suas tranças! Está frio pra cacete aqui fora!"

Ela jogou a chave e eu corrir escadaria acima, e ganhei a casa.

"Eu estava dormindo."

"Tudo bem. Volte para os braços de Morfeu. Eu só quero assistir Som e Fúria."

"O que é que você quer Rafael ?"

"O que é que há com você? Não me diga que... Já sei. A minha felicidade bateu assas, não foi? Minha alegria alçou vôo."

"Sim."

"E... Você não quer que eu fique aqui, certo?"

"Eu tenho medo dele chegar assim de repente... Não é nem medo, eu poderia dizer que você é meu primo."

"Deus me livre disso! Não por medo desse patife do seu namorado, mas receio passar por uma situação rídicula como essa, eu me passando por outra pessoa! Essa é boa!"

"Eu sinto muito. Eu te avisei..."

" Ok. Olha só, eu já entendi tudo, no entanto não precisa se explicar. O seu namorado está te tratando muito melhor agora, não é?"

"É."

"Ele está exatamente como você queria... E você gosta muito dele. Ou seja: Uniu o útil ao agradável. Perfeito. Seria uma indiscrição da minha parte atrapalhar seu momento alegre. Eu vou indo."

"Escuta! Aaaaa... Rafa... A culpa também é sua, você tem a sua parcela de culpa! Se você não me deixasse aqui tão só para ver seus amigos, quem sabe agora..."

"Se a tua vontade de ficar comigo fosse maior do que a minha culpa... Eu teria um aliado. Au revoir !"

"Espera, deixa eu te levar até o ponto de táxi."

"Eu não vou de táxi, eu vou andando."

"Eu faço questão de pagar um táxi pra você. Você mora longe... Por favor, venda o seu orgulho e compre uma bicicleta."

"Que seja."

Descemos e fomos devastando a rua, eu estava muito amargo, me mordendo de raiva por dentro. Tomei banho e até passei perfume, tomei açaí e até comi ovo de codorna com sal, levei o dvd de Cassião do Rock in Rio só para vermos os peitinhos murchos da Cassia Eller juntos, e nem isso. Eu estava realmente muito, mas muito aborrecido.

"Eu estava até escutando Cassia Eller um dia desses." _ Ela falou no intuito de quebrar o gelo.

"E daí? Depois desse fora que você me deu, essas coiecidências não querem dizer mais nada." _ Disse eu, frio.

"Você está com raiva de mim, não é?"

"É claro que não! Sim, é claro que eu estou! Mas eu vou superar, eu vou sair dessa rapidinho."

"Eu gostei muito de você, não queria que você sofresse."

"Sofrer é o charme da vida, assim como o talvez. Mas eu vou ficar bem. Olha, sem mágoa ta bom? Eu amo porque quero, e quero porque amo. Pára de me tratar como um coitadinho, eu não sou um pobre diabo! Eu vou ficar bem."

"Sim, você vai. E vamos ser amigos."

" Não, não vamos não. Eu não quero ser seu amigo."

"Mas por que não?"

"Vai ser mais fácil pra mim assim. Quando eu tiver pronto eu te procuro."

Finalmente chegamos ao ponto de táxi.

"Você tem mais alguma coisa para me dizer?" _ Falei quebrando o enorme silêncio que jazia.

"Não." Ela disse.

"Eu não quero ser um agourento, nem um despeitado... Mas tome nota disso: eu sei que você vai voltar pra mim, eu sei que esse namoro seu não vai dar certo, que esse seu namorado ta de blefe com você. Mas não irei lhe aporrinhar, nem acender vela, vou lutar por você como se joga Wear"

Ela aquiesceu, mas ainda continuou bastante confusa.
Eu dei de ombros, fiquei de saco cheio disso tudo, isso tudo esta tomando tempo demais para um fim, deveria ser instantâneo como o fim, ela abriu a boca e falou com uma voz choramingas... disse que eu era irônico e insensivel, que eu poderia muito bem passar em revista a decisão dela e tentar entender, que ela precisava conversar com alguém, que precisa de bons conselhos.
Eu mandei ela ligar para o CVV. Quem sabe lá não teria bons conselhos disponíveis. Entrei no auto e abalei.

Quando chego em casa dou de cara com minha mãe toda feliz com o seu novo namorado, conversou comigo com um brilho nos olhos que eu nunca tinha visto em toda minha vida, ela me disse que estava muito feliz. Me deu vontade de chorar, me senti um fodido, fiquei com inveja de minha mãe, mas a inveja educadamente deu lugar para uma alegria absurda, minha mãe merece nada menos que o melhor. O que acontece comigo? Há algo que faz com que eu não mereça?

Nesse momento o demônio familiar, localizado ao lado esquerdo do cérebro, desdenha e zomba: "Não seja ridículo Rafael, esse negócio de paixão e de sofrer a propósito, você batia um bolão quando tinha 14 anos, e sabe disso. Não confunda se apaixonar com ser embucetado, é o que há. Você só levou uma surra de buceta. Não confunda as coisas, seu cretino!"

Só não sei qual é o pior. Se se apaixonar, ou estar embucetado.

4 comentários:

Unknown disse...

Sou obrigado a concordar com o Demônio. (Consciencia)

Juca Lordello disse...

No desenho, para o seu texto, o 'play' tem o significado de 'brincar'.
:B

Unknown disse...

Enfim...

Anne disse...

'Você me disse que eu destruo sempre a sua mais romântica ilusão.'