segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Servindo carne crua.


Telma chega da redação onde trabalha como free lancer, esgotada.

No ônibus sonhava em ser atraente, queria ter a beleza inovadora da Brigitte Bardot e quem sabe ser convidada para tomar um drink num barzinho em Copacabana ao som de Chopin, entre idas e vindas das ondas barulhentas, de uma imensidão assustadora que chamamos de mar...

Mas não era atraente. Era feia e má.

A maldade era a sua aliada, as pequenas vilanias do dia a dia lhe davam um brilho superior, um brilho que não ofuscava, mas que fazia sombras.
O movimento brusco e troculento do ônibus não lhe deixava sonhar em paz. Ônibus puro ônibus.

A escassez mora aqui, passeia por essas horas, pega buzu, não tem dinheiro para taxi. É pobre como ela.
Apenas ela e o cobrador, um mulato que cantarolava inconcientes canções de Hermeto Pascoal...

As imagens e as pessoas passam rapido pela velocidade que foge dos seus olhos, se distrai com o FF da vida, tudo muito agil, sem respostas nem tempo para perguntas.
Menina criada em berço de madeira, casa pau à pique, suburbio da cidade.

Gorda, feia e má.
Vestia chambre para dormir, bobs na cabeça, e tomava coca-cola com tranquilizantes.
Sofria de insônia.
Vestida de trapo bonito aos olhos dos mais pobres que ela, era vaidosa, pintava a boca, voltava com a boca pintada para casa, beijada e borrada por um papel higiênico limpo.
Não tem namorados, transa regularmente com o ex marido que ela odeia.
Nescessidades femininas.

-Ele é um pulha, mas com ele é mais fácil. Eu sou gorda e preguiçosa, com ele eu não preciso pedir para passar a lingua no meus grandes lábios, ele sabe que é lá que eu sinto prazer... E também ele não liga para as minhas varizes tão verdes e inchadas... Depois ele vira as costas, solta peidos e dorme. E eu vou pra casa, antes que eu me arrependa e comece a chorar.

Ao chegar em casa, depois de tolas quimeras, toma um banho quente, se masturba pensando no pedreiro da obra da esquina...
Ao sair do banho, prepara um macarrão instantâneo, enquanto o macarrão esta no forno, ela liga o computador, limpa o cocô do seu cachorro pequeno e raquítico, pega umas velas no armário, arruma tudo bonitinho no castiçal de prata, herança do ex marido rico.

Lembrança de uma família aparentemente feliz. Guarda o porta retrato numa gaveta do biombo da sala. Lembrança de uma viagem que fez a China...
Pensa, suas memórias são uma cobrança de tudo que poderia ser e não foi.
Poderia ter casado com um homem da nata social, rico e famoso, ter aquarianos tristes e revoltados e passar o resto da sua vida privada pagando o IPTU, para assim tornar a viver e viver, e depois morrer e morrer por algo certo e bonito.

Mas não era isso que ela queria, queria uma coisa importante, talvez andasse pela deserto feito louca até ver Deus...
Acende as velas, vai até a cozinha, trás o prato de macarrão instantâneo, põe na mesa cuidadosamente decorada por ela mesmo, abre o vinho, põe numa taça de cristal, põe uma música romântica, e janta sozinha...

Após o jantar, acende um cigarro, senta em frente ao computador e descreve a sua rotina, como esse fiel e sincero escritor o fez agora.


(Trecho do meu engavetado livro Maria Antonieta)

Um comentário:

Anônimo disse...

DEIXE-ME SUA GORJETA PARA EU COMPRAR CIGARROS.