sábado, 29 de agosto de 2009

O intérprete de Deus

Não acredito num Deus vingativo e impiedoso, não vejo Deus como um patrão que você tem que agradar para ser promovido. Eu não amo porque Deus me mandou amar, nem odeio porque Deus me permitiu odiar, isso tudo é relação humana e não divina. Ou assim amar como odiar, é um cromossomo de Deus?
Uma vez me perguntaram se eu rezo antes de dormir, e eu disse que não, apenas peço para Deus me dar uma boa noite de sono e só. Me senti um cretino, não penso em nada a não ser cair na cama e dormir.
Os crentes batem na porta às 8 da manhã de um domingo, se sentindo os novos servos, repetindo os apóstolos, não porque Deus mandou, mas sim a igreja. Segundo Talita, quebre a igreja e terá um Deus verdadeiro.
Os crentes são como gados, falam com voz de veludo e são simpaticíssimos, e quando você lhe dirige a atenção te tratam como crianças semi – alfabetizadas, lendo para você com o livro sagrado na mão, falam do céu como se fosse um recanto feliz e descreve o inferno com a exatidão de quem já passou alguns dias por lá. O crente me mandou escolher um tema, e eu não fiz por menos e escolhi o melhor: “Por que Deus aceita o sofrimento?”.
Ele leu as perguntas e mais parágrafos, as sinceras indagações de Habacuc e tudo mais, mas as respostas que são boas ficaram para uma próxima vez, se ele pudesse vim, é claro, no caso; se eu permitisse que ele viesse. Isso pra mim é puro jogo de marketing, as novelas são assim quando acaba na melhor hora, e você tem que esperar o próximo capítulo. Tipicamente evangélico...
Passeei por uma montanha de doutrinas e nenhuma conseguiu me tornar um habitué. Já freqüentei a macumba, estava por um triz por lá já que eu tenho um pé no terreiro, mas me pélo de medo de caboclo e receio as indiscretas verdades dos erês, e também é uma rigorosa disciplina. No entanto o Candomblé é mais bonito do que a doutrina Pentecostal e aquelas danças esquisitas que o Genne Kelly tanto se inspirou. Uma póstuma médium uma vez me disse: “O Candomblé é exato, quem está fora não entra e quem está dentro não sai.” E um louco uma vez me falou: “A língua dos anjos e a língua dos bêbedos só entendem quem é abstêmio ou divino.”.
Quando bem no meio do ato sexual com minha garota eu tive um ataque rápido de epilepsia, ela ficou apavorada e não queria mais me tocar, a cretina, como se isso fosse contagioso, fui pra sala e passei toda a noite com os olhos em chamas buscando respostas em Alan Kardec, porque era o único suplemento literário da casa da imbecil, foi desse modo que eu conheci o Espiritismo e seu bando.
Na igreja Batista, passei por lá porque me divertia com o jeito demagogo do pastor se comunicar com seus fiéis, ele sabia que eu sabia que ele era um charlatão de praça pública, e que eu só era fiel ao meu barbeiro. Ele estaria lá ainda me divertindo e fazendo os outros de trouxa se não tivesse sido preso por evasão fiscal. Deu mole. O chá de santo Daime é muita informação pra minha cabeça, da ultima vez eu era soterrado por uma maré de pontas cigarros, e fui um comerciante de escravos. Fui expulso porque não respeitei as regras da seita. Usando o chá como um barato, entrei em total baratino. Agora eu quero mesmo é um terço budista.
Deveria ter sido sincero como Habacuc e dizer para o crente: Olha, esquece. Eu não tenho uma cabeça de carneiro, eu sou muito difícil de persuadir, não daria tempo de você me convencer em apenas uma manhã. As coisas mundanas sinceramente me atraem, sabe? Gosto de beber, gosto de foder, sou preguiçoso, sou glutão... Tudo isso é sentimento humano, do corpo e não da alma. A minha espiritualidade, digamos, é madrasta.
E se ele me desse à oportunidade de contraponto, dissertaria sobre a caverna de Platão, suas sombras e laborais.
No dia que o jovem crente voltou com a cabeça munida de bons raciocínios, para me responder a super - citada pergunta de “Por que Deus aceita o sofrimento?” e de lambuja ler alguns salmos incomuns e agitar a teologia, por isso ele voltou com reforço_ uma mocinha da qual por uma banda da janela, só pude ver as batatas brancas da perna torta, e a sua sombrinha estampada inimiga do sol. Não pude atendê-los porque estava conversando com meu pai.
Naquela manhã meu pai, com ares de oráculo, tentava que eu aceitasse a idéia de me enterrar no paraíso, e volta-se de lá, tal como cera quente, uma pessoa totalmente moldada. Isso tudo porque tive a desgraça de acentuar algo que se afasta do seu modo tradicional de viver, porque sou completamente sem noção e ajo por impulso, porque tenho mais sorte do que juízo, e faço coisas que _ querendo ou não, é infeliz aos olhos de qualquer um, porque nenhum vulgo pode compreender. Então todo mundo acha que eu sou um maldito cracker e minha mãe freqüenta a Nara Nom todos os sábados às escondidas, e eu sou o ultimo a saber? Onde eu estou, afinal?
Mudar ou engabelar? Conseguir um emprego é provavelmente a solução mais exata, lançar um bom bocado na boca dos cães, para que parem de ladrar e me deixe dormir um pouquinho só.
“Que ótimo!” Eu pensei quando o intérprete de Deus bateu no portão. “Chegou mais um membro para solucionar a minha vida, como se ela já não fosse por demais codificada!” minha mãe os despachou dando explicações de conversas sérias de pai e filho no momento, dando a entender que eu era um caso perdido... O que obviamente deixou o jovem crente com mais sede de mim.
Esse modo tipicamente cristão, de falar sobre coisas supra - humanas que aprenderam com cristãos pioneiros, não me convence, me sinto como um novo cordeiro, uma nova cobaia, o discípulo do discípulo do discípulo.
Não se engane comigo, não estou chafurdado num lodaçal de problemas, eu só sou uma pessoa que oscila entre bons dias e dias ruins, e que acha que todo mundo tem o estado de espírito que merece.
Acredito que Deus é amor, eu acredito no Amor e naqueles que amam. A felicidade é a única perfeição da vida, e como uma, ou duas vezes disse o pintor Da Vinci: “Não se preocupe em procurar a perfeição, ela não existe.”

2 comentários:

Seiji disse...

Mandou bem cara!

Talita disse...

gosto tanto de ser lembrada...