quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Parte dois. (O ultimo paroxismo do orgasmo.)


Ainda que sim um pouco ardida.
Ainda que sim aquele gosto de fumaça perdido na sua boca, o interior da boca perto da língua e das aftas e do desejo humano de uma bala de hortelã.
Toda quentinha no seu curto capote verde abacate, protegida pela temperatura de uma casa abafada, antes ela tão desprezada, ali perto das escadarias da igreja do senhor do Bomfim, no bando daquele meio ouvindo musica alta e desagradável, e sentindo o cheiro de sabão em pó, e pensando que ouvir isso é como comer comida do chão.
Agora pensa em padecer em sua alta casa, habitada no trigésimo andar de um edifício luxuoso e seguro.
Mas em lugar nenhum estamos seguros, nem mesmo sob nossos próprios respaldos.
Eu resmunguei alguma coisa sem me importar se alguém iria me escutar, na verdade esse alguém era somente um, pelo menos o que me importava. Tão gastador, tão provinciano e engraçado, ao mesmo tempo pisado e amarrotado, por não saber amar, ou talvez por amar errado, ou por não ter amor, ou por não me amar. A morte quase sempre leva mais do que devia, leva a graça, leva a leveza, leva a vontade de viver.
Ele me ouviu errado.
Por que eu to olhando pra você?
Não. O que é que você ta vendo aí?
Ah. Naquela baixaria?
É.
Os homis chegar e levar essas putas.
Ou está esperando alguém passar...
Alguém quem?
Você.
Eu?
Você poderia está esperando alguém passar e usou isso como desculpa.
É. Você é mesmo fácil de usar como desculpa.
Ainda que sim um pouco tonto.
Ainda que sim bastante errado.
Dando importância demais talvez.
Estou entregue ao ponto de ficar sempre só, nessa solidão empenada.

Parte um. (Esqueleto de um barco sufocado nas suas próprias velas.).
De onde eu estava dava para sentir aquele cheiro de amargura.
Um cheiro azedo que faz o estômago parecer borboletas sobrevoando o vácuo.
Mas não era de mim.
Á mim só havia um caminho direto que eu escolhi, direto e sem grandes achismos, sem pessoas, sem bares, sem gente que fala alto, sem gente que não fala.
Só os postes enterrados no caminho, iluminando o passar surdo da sandália rasteira e empoeirada, os postes eram todos iguais, como as mães e os homens. Enfileirados com o espaço médio de quarenta e um passos de distancia um do outro, mas eram todos iguais, todos se distinguiam da indiferença porque no fundo carregavam uma placa amarela em péssimo estado avisando-lhe sobre quebra-molas, a cada quarenta e um passos havia uma quebra-mola no caminho, e ele seguia caminhando pensando nos carros, nos carros que iria parar a cada quarenta e um passos e iriam morrendo a cada impulso de uma quebra-mola desavisado. Era somente ele e o peso nos ombros.
Com cabelos negros, meio soltos caído ao ombro como uma capa escura, seu vestido preto de bolinhas brancas; vestes drapejantes.
Rímel borrado, sem batom. A perna cruzada levava o peso do tédio e da vontade de matar, por isso, balançava os pés compulsivamente, como as putas.
As duas mãos unidas em torno da vulva, acolhida por uma calcinha de pano branca sob o tecido quente do vestido preto de bolinhas brancas.
Por isso suava.
Seus olhos continuam parados e trágicos desde seus seis anos de idade, seus olhos que sempre se saiu seu conspirador, seus olhos dedo-duro, seus olhos que não te deixam mentir por um segundo, que te exibe descaradamente para o povo sem educação.
Seus olhos que nunca irão mudar.
As coisas que acontecem bem antes mesmo de acontecer, ou as coisas que terminam bem antes mesmo de terminar, tudo se acaba assim em questão de impulsos, as coisas vão e voltam; os amores, os remédios, mesmo que você fique quieto e não fale nada, mesmo que você prometa não mais amar, o amor sempre volta fazendo aquela arruaça, como os marinheiros que voltam pro caes, como as ondas que voltam pro mar e como a areia que abraça a água.
Me sinto agora caído como uma manga de roupa, um suspiro, uma bufa.
Sua voz pouco se ouvia, era prisioneira da boca e da arrogância, mas há quem jurasse que era como um tinir de espadas, um aço, a Elis cantando.
Parecia com um troféu, um diamante raro saído da lama, parecia não ser daquele mundo, toda torta, toda esquisita, toda parada, meio bêbada, fechando os olhos, dormindo em pé.
Ainda tinha o kamikaze espetacular do seu humor, a sua vontade de ser alguém ao mesmo tempo misturada com a sua indiferença, ainda tinha o tempo bom, a noite bonita, o sono sob a lua, os becs, e a vontade de se dar bem.
As bafarodas de cigarro por toda parte daquela sala escondiam o rosto das pessoas, que podiam fazer sexo à vontade.
Foi um eterno cortejo, havia muita gente e muita tristeza, no fundo, foi uma longa paquera.
Ela ficou ali parada do outro lado da rua vendo eu acender meu cigarro, eu me preocupava em ler sua boca ao lado dela ali parada do outro lado da rua olhando eu acender meu cigarro. Prestava atenção ao que dizia ao celular, o movimento da sua boca e o gosto da sua língua dizendo coisas para alguém no celular.
O nome dela é Ohana, vive em Bali e passa as férias no Brasil colhendo madressilvas, e ela será Ohana até seu coração sangrar e seu nariz ficar saturado de tanto alta-comiseração. Em outras vidas ela era homem, na próxima ela será gato.
Fechava os olhos e se esquecia na cadência bonita da loucura.

Parte três. (Dedico-lhe todo o fato de ser escorpião)
Acredito que eu esteja preparando algo bom para mim, assim sem me avisar, numa surpresa ladrona, num suspiro eu tiro toda sua concentração e faça uso de dor, como objeto de dor na sua mão empolgada.
Acredito que nada seja por acaso, que eu esteja procurando acreditar só por agora que o meu destino é esse, e o jeito é dizer; simbora!
Vendo os outros se lambuzando de amor enquanto eu escrevo, e escrevendo sempre pareço um pouco triste, e todos pensam que eu estou competindo com Jesus, mas não, às vezes me sinto muito bem, quando eu me olho no espelho eu me enxergo e me acho muito bonito, apesar de não gostar do que vejo.
É assim, é tudo feio, é tudo muito chato, realmente é dessa forma, tudo isso na maioria das vezes. Eu sei, porque meu estado ‘são’ geralmente não concorda sempre com o meu estado alucinado e irresponsável, mas em relação à verdade de que tudo é cansativo eles concordam e tem a mesma opinião. De Todas As Formas eu penso.
Porque tudo tem seu peso particular, a caneta pesa em cima da mesa que pesa em cima do tapete persa que pesa em cima do chão de madeira e todos seus cupins, a presença, as marcas no tempo e no espaço, a cicatriz no seu braço.
O seu corpo magricelo e lânguido parado no meio da sala.
As coisas são feitas para serem assim, e eu infelizmente não conheço quem escreve as regras. E se eu não quiser me tornar uma pessoa que eu não sou, eu terei que lutar ou aceitar toda burrice e maldade e ser burro e mau também.
Se desesperando às vezes, dando algumas bandeiras, sendo um menino, um punhetinha nato, eu vou mostrando que sei me comportar e me divertir sozinho, e acredito que também tenha provado o doce sabor da tristeza, que é uma questão de requinte, questão de ser donaire.
Esquecido num pico bonito, abaixo de um terreiro, numa estrada de barro, atravessando o pasto, de olho na escola toda iluminada e vazia, eu viajava e via gente, mais pra lá tinha o pasto escuro e uma luz elétrica na varanda de uma casa de alguém no meio do mato, e depois uma grande luminosidade de luzes de mercúrio, e as casas quase todas iguais, enfileiradas, um ao lado da outra, das mesmas cores em portas e janelas, sete casas em cada rua, crianças e cães para todos os lados, mulheres falando alto, as bicicletas levantando poeira do chão, os rapazes com fumo entre os dentes e as latas de Pepse.
Onde eu estava é perto de onde eu moro, o quintal da Vila Residencial, uma espécie de condomínio aberto, mas com tudo que pareça para os mais pobres que nós um lugar elegante.
Com direito a guarita e lança de pode-passar-carro, e seguranças de preto e cacetete, e até mesmo a placa de “identifique-se”. Mais qualquer um pode entrar naquele lugar que é um comboio militar, a suposta elegância e requinte de morar num lugar bem falado e calmo veio da invasão há muitos anos atrás.
Acendi e fumei minha erva no meio da estrada, com a lua cheia linda no céu, sentindo uma tristeza vazia da certeza de que ninguém nunca iria poder imitar o brilho da lua.
A lua que iluminava aquele povo que deve ao governo, aquele povo que não tinha onde morar, povo humilde de pés lamacento e de casas quase iguais. Já devia ser seis horas da tarde quando eu me lembrei da noite de ontem, era aquela festa chata e minha válvula de escape que só irá durar três dias. E tinha aquela bandinha tocando também, e tinha aquelas pessoas todas vazias se amostrando, o nêgo de olho inchado de tanta maconha sem camisa pediu a minha caixa de fósforos, eu dei e ele tentou acender o cigarro de uma forma muito mirabolante, mas já conhecida minha.
Trata-se de girar o fósforo com os dedos, dando uma volta vertical e acendendo o cigarro como um tibum. Depois só fica a cara lavada dele com os olhos inchados de tanta maconha, e a fumaça saindo pelas narinas e pelos cantos da boca, aquela cara de quem encheu o rabo de cachaça e que tirou a camiseta para mostrar os músculos mulatos e toda sua habilidade em acender cigarros. (Parece uma inveja minha, porque eu não consigo acender cigarros quando estou bêbado.) Mas nem é.
Eu sei quando alguém quer se exibir, e ele se agarrou a essa possibilidade com grande desespero de mostrar que é bom. Aliás, ultimamente é o que eu mais tenho visto por aí, um monte de gente exibicionista e pouco voyeur, ninguém olha ninguém, e não sou eu que vou olhar, tenho horror a esse tipo de gente.
Talvez nem fosse culpa da sua energia ruim, acontece que ele ficou ali na minha frente com o cigarro aceso, gastando os meus palitos de fósforos e minha paciência, mostrando a forma habilidosa de acender um cigarro vagabundo e pouco merecedor de tanto esforço.
-Oquei. Todo mundo já sabe que você é muito bom no que faz. Já chega.
-Eu não consegui mais acender porque o cigarro já está aceso, ta ligado? E também porque a sua caixa de fósforos está velha. Mas eu acertei de primeira, você viu.
-Vi sim. Muito bom.
Peguei novamente a caixa de fósforos olhando com os meus olhos vermelhos aqueles olhos tão inchados de maconha e álcool, catei um palito entre os dedos e acendi meu cigarro de forma clássica e simples.
O que eu notei de tudo isso e que eu agora me recordo do que eu recordei quando ainda fumava no meio da estrada no pasto, é que o cigarro daquele cidadão de ontem à noite, o cigarro que era meu e que ele no auge da sua ousadia embriagada tomou de minha mão e começou a fumar e não mais me devolveu_ queimava todo errado, era uma brasa muito viva e firme, tão firme que não podia ser tocada para cair a cinza no cinzeiro (se assim houvesse), porque não havia cinza, (nem cinzeiro), era pura brasa, forte, vulcânica, e meio estranha de se fumar, o cigarro havia se consumido quase todo, e já estava no meio queimando pelos lados de uma forma muito feia e assustadora, sem poder se livrar daquela cinza num toque de dedo, porque se tirasse a brasa apagaria o cigarro.
O cigarro que queimava de uma maneira agressiva porque ele tinha uma energia ruim.
Me lembrei disso, me lembrei que para puxar assunto com uma mulher que estava sentada ao meu lado ontem, procurei nela algo que se possa começar, vi uma conta preta enrrolada no seu pulso, eu perguntei, ao tocar, de que era a conta, no qual ela me respondeu.
De Exu!
Me lembro que acordei as três e meia da tarde com um telefonema de um amigo com voz de veludo e toda armação que eu poderia imaginar ao ouvir aquela voz e aquela lábia, aquela conversinha.
Lembrei que fui dormir às cinco da manhã, que tomei café da manhã na varanda para dormir depois, que era um dia rosado, que havia muitos pássaros cantando, e que eu não me importava se eu não dormisse por causa deles, acabei de me encontrar e nada iria chatear isso. Dormir sem muito esforço naquela manhã.

Parte sete (O anunciado da bomba atômica.).
Fico pensando nas coisas que se perderam, das pessoas que eu não conhecia, mas que, de alguma forma, faziam parte da minha vida, por eu ver sempre.
Por exemplo: Onde está aquele paraplégico que ficava na porta de sua casa em sua cadeira de rodas com uma expressão triste e um olho todo remelento?
Ele morava numa rua chamada H., era caminho da minha escola, quando a verdadeira escola entrou em obra, fomos para uma escola provisória que mudava totalmente o curso do meu itinerário, eu tinha que passar todos os dias pela porta da casa desse cara, que tinha lá seus vinte e nove anos, era magro e tinha um rosto muito triste, ele nunca sorria para mim, ele nunca me falava nada, apenas passeava com os olhos os meus movimentos ligeiros. Por ele parecer muito triste eu criei uma estória para ele, eu criei um acidente que o fez ficar naquele estado, eu dei motivo para ele ser triste, eu criei uma estória para ele porque ele era um tipo bem interessante e trágico. Fiz-me necessário no meio da minha estória inventada, me fiz amigo da família, amigo do paraplégico. Inventei estória e dei motivos até para quando ele não estava de manhã cedo na porta de sua casa, como de praxe. Foi ao dentista talvez, acordou extremamente down e não quis levantar. Não sei, mas ele ficava ali vendo o dia nascer com aquela expressão séria e matutina, vendo todos os dias, como todos os dias começavam, a cara de todos os dias, e nada disso importava para ele, pois eu nunca via ele passear no parque e nem chupar picolé.
Acontece que as obras na escola acabaram e eu voltei para o meu caminho mais perto de casa e abandonei a minha estória de todos os dias, nunca mais o vi, mal soube o seu nome, nem a sua estória, às vezes passo por lá porque tenho que passar para fazer mil coisas na rua, e não vejo ninguém na porta, existe gente morando lá, acredito que a mesma família, mas aquele rapaz e seu mau humor matutino, nunca mais eu vi.
É uma coisa que não vai fazer diferença nenhuma na minha vida, mas que me despertou para entender que o tempo passa, e que as pessoas passam junto com o tempo, e que nada fica, e que a vida se encarrega de esquecer.

Parte cinco. (O trono e o tempo.).
Vai ser mais uma tentativa e eu vou me sentar, só mais uma. Falta o capitulo do desprezo, por quais sentimentos eu já passei? Quantos sentimentos eu já tive?
Numa noite?
Amor, ira, dor. Tudo isso eu já tive.
Numa noite?
Em algumas manhãs também.

Parte seis. (Minha libido lambida.).
Ainda tenho o mesmo gosto e o mesmo cheiro escapulido de ontem e de anteontem também, tenho o mesmo cuspe lerdo parado na boca com gosto de muitas misturas, mas o que se destaca é o gosto de gente.
Ainda tenho dois olhos conspiradores e cansados tentando não dar bandeira.
Ainda tenho a vontade de me divertir.
Ainda tenho o bolso cheio de coisas, como há dois dias atrás quando eu escrevia com o bolso cheio de coisas, eu só tirei a camisa para escrever, nem lavei a mão nem me perfumei, ao menos bebi água, só tirei a camisa.
Parece que comecei feliz, parece que me divertir horrores, nem troquei saliva com ninguém, a gente que eu descrevo sou eu, ando me lambuzando com o meu gosto, com a minha própria saliva, porque isso não é pecado, é desleixo, abandono, mal amor, bye bye xuxu.
Isso é se provar por não ter o que fazer, escrevendo e se entregando, alinhando seu corpo, preparando o solo, se maquiando ou se desfazendo para parecer do jeito que quiser para quem vai te analisar. Os poetas são todos drag-queens, se arrumam e se maqueiam para melhores ser visto.
Quanto a mim, por favor, não me levem tão a sério.
Eu sei que na maioria das vezes é o que eu mais peço, que me levem a sério. Na maioria das vezes é uma opção minha para não repetir a palavra ultimamente. Quase sempre é bom. Mas por mais que tudo esteja dolorido e eu esteja parecendo uma puta prenha reclamando de tudo, confio na minha capacidade de sempre enjoar de tudo e de todos. De mandar tudo pro caralho que o parta, e partir. Sei que esse sentimento orgânico em mim tem me deixado de lado ultimamente, e por isso pareço um idiota reclamão. Mas é que na verdade falta o alvo, a pessoa certa para arriscar o amor ou a dor, por enquanto eu estou sendo a pessoa errada, sendo o alvo da pessoa certa, naquela desordem do investido.
Ainda falta falar sobre tantas coisas e só há em mim o cansaço, e ainda havia o medo, e ainda havia a raiva vulgar, a inveja amarela, o desprezo, o ciúme, e o sono. Eu, como sempre, como hoje, ontem e como anteontem, e como todos os dias da minha vida; torto. Desajustando a cena, o que se sente desconfortável no meio daquelas pessoas que tem uma harmonia entre si, que falam e escutam o que querem ouvir. Os que dançam, os que se comunicam, os que riem na hora certa, os que sabem contar piada, os que sabotam, louvado sejam todos vocês e me deixem em paz, fiquem longe de mim.
Eu posso me alinhar a vocês, mas eu não deixo de fumar nem a pau.
Antes de tudo, devo confessar que a inveja habita nesse corpo e eu não a nego, não deveria nem ter, porque eu acredito em mim e porque de perto ninguém é lá grande coisa. Mas eu nunca tive inveja do meu irmão, na verdade ele sempre foi a primeira criatura humana que eu tive contato, depois de minha mãe, é claro. Mas em relação aos meus primeiros desenvolvimentos ele foi essencial, às vezes penso que ele mudou minha vida, às vezes nem quero pensar nisso. Sempre tive esse fio de tristeza repentina, é olhando que se aprende, é assim que se aprende a beijar, é tentando que se aprende, é assim que se aprende a sofrer. Aí começa a dar os primeiros passos, aí começa a ter pentelho e ouvir estórias de punhetas, aí procura o que gosta, a sexualidade depende do que estiver mais perto.
Aí se misturam, depois passam uma peneira, aí fica você.
Eu estou aqui comprovando a minha teoria de que todos nós somos como uma colcha de retalhos, que a nossa personalidade se faz com várias outras. Somos o personagem obstinado que rouba essências, você sempre copia algo legal de alguém porque é legal ora porra, não há problema nenhum quando é legal. Uma idéia aqui, o jeito de falar de fulano, o timbre do cicrano, a postura do artista, está pronto você.
Eu precisava do meu irmão para conseguir pessoas a minha volta, ele era magnético, e eu me aproveitava, pegava a sobra, ele sempre teve melhores amigos, os mais avassaladores amores, os princípios mais puros, toda responsabilidade e toda conveniência respiratória.
Em janeiro eu costumo ter dor de dente.
Depois eu me envolvi com os livros, e com a faceta de escrever, achei melhor esperar um bom tempo, e esperei lendo, escrevendo, e acabei me esquecendo do que estava esperando, a partir daí foi novas importâncias, novos problemas, e se sentir só não era tão ruim assim, e meu irmão se tornou um cara chato na maioria das vezes, com seus amores de novela e sem nada a me oferecer para a copia de costume.
Só que hoje eu queria ser ele, ontem e anteontem também, e talvez amanhã.
Queria saber dançar, queria o seu corpo, queria ter a imbecilidade inocente que faz todos rirem e que só ele tem. Queria não ser um ás de paus, queria ser uma carta colando, receber os olhares e toda preocupação da qual eu me submeto.
Queria ser ele mais tarde se ele conseguisse alguma coisa.
Estava tudo há muito tempo arquitetado por mim mesmo, inconscientemente. Eu me sinto como se estivesse planejando algo para mim, passando três dias de exaustivos testes para uma cura nova. Esquecer sofrendo, isso se trata de esmiuçar a dor, examina-la de perto, toca-la bem fundo, toca-la como se toca numa mulher, vê até onde você pode suportar, até onde você agüenta quando não está fazendo nada, sentindo contrações ou dor de facão quando não se tem nada pra dizer, e você perde mais uma chance.
É ir sabendo que não tem nada pra você, e que se você se esforçar, quem sabe consegue um analgésico, é saber no duro que o que você quer não pode ser seu, aí você vai desistindo, e com uma droguinha misturada nessa experiência toda, te dar o efeito de começar a ver defeitos naquilo de que se gosta, aí você começa a enjoar do cansaço e parte pra outra. Na maioria das vezes acabamos na fase do “O que me importa o seu carinho agora?”.
É onde eu quero chegar.
Já estava muito longe dos gregos e troianos, nem me encontrava mais ali, me desligava de um mundo sem eixo e caminhava para um mundo sem vertentes, perdia com o tempo o dom divino de integração que Deus me deu, e a polaridade de pessoas e assuntos carcomidos sobre o mesmo tema, às vezes desconfio que nunca tive nada disso, e que Deus nem me viu.
Mas quem me fazia feliz estava sob a proteção do Sol, e não há beleza que resista ao Sol, nem virtude. Por isso tudo é muito difícil, como um capricho meu.
Ah! Quem quiser que venha e me abrace!

Parte quatro. (Aquela parte de ti que tu perdeste.).
Se Vicente não fosse apenas uma idéia e uma forma de me mostrar forte eu não teria ido conferir o estrago dos carros do acidente, fui perto com os olhos cheios de medo liquido, o carro estava parecendo uma lata de sardinha e ainda havia sangue velho, o volante do carro estava suspenso na capota do carro, que por sua vez estava pressionando o peito de Vicente contra a capota do carro na hora do trágico acidente. Vicente morreu na hora.
Ele namorou anos com uma prima minha, lembro vagamente do seu rosto, é uma das pessoas que se perderam do meu nicho. Magricelo, educado, eu era uma criança que ninguém queria levar para a festa, ele já era maior de idade e gostava de mim, por isso me levava para as festas, para o Arraiá. Gostei dele o tempo que mereceu, lembro uma vez no enterro de minha bisavó e ele estava lá com Marina, todos estavam chorando, eu não, não sentia nenhuma emoção, nem nada. Hoje eu choraria. Mas naquela época eu era criança demais para chorar.
Falei uma besteira qualquer pra ele, para puxar conversa, e ele ficou atônito com minha frieza, e o meu assunto de papo banal em lugares que eram para todos estarem vulneráveis. Acabou me repreendendo e dando as costas para mim.
Eu fiquei mais uma vez desajustando a cena.
Vicente morreu e foi me visitar, fez pega e se fodeu. Mas ninguém sabe o que aconteceu, ninguém estava lá.
O que eu sei é que as coisas vão ficar e que Vicente não acorda mais.

Parte zero. (Palavras suficiente amargas para queimarem toda a amargura.).
Já me vem o cheiro de finalzinho, sair hoje com uma certeza de que iria dar cabo de tudo, com a obstinação da gota d´agua .
Tão certo assim, o cão caça o gato.
Estou vestido de preto, sentindo uma temperatura quente de um abafamento incomum que faz se tornar saudade quando estamos longe de nossa casa.
Depois de tudo que eu passei, depois de todos os planos darem errado, e toda bandeira que eu dou ser erguida no ato de amor, estou aqui de preto, como se fosse luto.
Eu estava preparando algo bom para mim, e estava fazendo isso tudo inconscientemente, no fundo eu sabia de tudo isso.
Sabia que iria me arrepender e que iria quebrar a cara como um vândalo quebra os bares.
Sabia da virtude que eu não tinha e sabia dos pontos que eu perdia por não ter essa virtude.
Dos ciúmes que eu não posso ter e das coisas que eu deixo passar.
Como esse fim, como toda essa estória que eu comecei e que todos querem saber o final, não me interessa o final, eu não me interesso pelo meu desfecho, o cabo de mim, não quero nem saber.
Mas o capitulo da tristeza glacial e da amargura e do desprezo é esse mesmo, foi o que eu senti, naquele mesmo lugar, com aquelas mesmas pessoas vazias, seguindo firme no tratamento.
Hoje tocou uma banda legal, é porque hoje é o final do meu tratamento, hoje tocou uma banda que me fez dançar como a Isadora. O pior é que eu sempre questionava e me achava estranho por fazer tudo diferente, se é pra dançar eu danço do meu jeito, se é pra amar eu amo da minha forma, isso é ser divergente e original, quase sempre sozinho.
Aí eu parava de dançar porque a tristeza batia, e como todo infortúnio gosta de companhia, vinha o cansaço junto também.
O reggae baixo que tocava, as pessoas que dançavam em câmera lenta, todas diferente de mim que mal se mexia, que parecia uma múmia dando sinais de vida, as pessoas que dançavam e eu achava feio, tudo girou muito devagar naqueles minutos, e todos dançaram lentamente também, e a voz do cantor já era um ronco surdo, um apelo, movimentos de lábio e o código, que eu não podia imaginar.
Encontrei uma ou duas pessoas que falavam comigo, dancei, dancei, fiquei parado, voltei pra lá, fiquei de junto do conjunto e fui logo notado, dei mole, fiz frete, fui sentar pra lá, o ciúme veio junto e sentou do meu lado, a minha expressão fechou-se como uma plantinha que tocada com os dedos se fecham como proteção, para depois voltar ao normal quando não houver mais perigo.
Fiquei lá sentindo raiva, uma mistura, um mesclado, sei lá o quê. Não parecia mesmo muito alegre por está tocando algo que eu goste, eu dançava às vezes e parava de dançar de repente. Era como se fosse um esforço para mostrar que se sente bem, mais daí depois do quinto dois pra lá dois pra cá, eu perco o ânimo e sento pedindo desculpas. Um pouco afastado dos outros para não ouvir certos comentários de que estou fedendo a maconha.
Eu não sou de ficar alegre o tempo inteiro, e não é todo dia que eu tiro o meu melhor sorriso do bolso, já estou saturado das pessoas que persistem em suas imagens e que acham que eu não tenho harmonia, eu tenho olho de gato siamês e no fundo eu estou sempre fazendo troça de você, mesmo quando eu falo sério. E quando é pra rir, eu dou risada, não que a risada se adapte ao meu deboche ao próximo, ou todo o meu discurso cruel, mas somente porque a risada é o emaranhado do meu eu.
Quando você se apaixona por alguém, cresce juntos o riso e a lágrima, no final de tudo eles se separam, mas os dois sempre estiveram lá, e melhor; juntos.
Tenho muito medo dessa vida que tem me mantido acordado.
Pulo de um bloco a outro e me envolvo com o cimento, mantido a mim como se fosse meu pé, e toda a irresponsabilidade, uma fome de Vesúvio, de queimar alguém com minhas pestanas, e me comunicar como se comunicam as sobrancelhas.
Ontem eu bebi uma bebida que estava rolando entre mão e mão, doce, cremosa, lisa, sem álcool. Boa de comer com o pão.
Foi aí que começou a briga. A criatura encarregada de produzir essa bendita bebida era o mesmo que vendia, e que por sinal estava do meu lado quando eu falei isso para algumas pessoas que eu acho que me ouviam. Ele ouviu, e reclamou, falou feio, veio pra cima de mim, mandei ele se foder, e ele foi, mas antes me derrubou com uma rasteira, só isso. O pior de tudo foi isso, ele não me deu um murro e esperou eu revidar, ele não disse que iria me bater, ele apenas olhou pra mim, me segurou e fez meu corpo ir pro chão numa travada de pernas, sem artimanhas, como derrubando uma coisa frágil no sopro.
Fiquei lá caído naquele chão o tempo suficiente de pensar duas vezes, não deu tempo para a vergonha o caralho, a vergonha se estabacou junto comigo!
E como é pra ficar sem graça sem que ninguém note hein neguinho?
Naquela situação que alguém te rouba toda justificativa, e te enche o saco, e todos riem de você ou da merda que você vez, separo porque ainda não sei se é a mesma coisa, ora. Aí fica a tua cara de bobo, e a cara dos outros que te encaram e se aprofundam na imensidão dos seus defeitos, e você espera com um sorriso bobo na cara pra não assumir que está ferrado com a brincadeira, e depois o depois será bem antes, e se você não tiver muita paciência, como eu.
Exiba o seu melhor sorriso, porque todos são falsos ou mande todo mundo se foder.
O cinismo requer muita paciência e jogo de cintura, e eu só como peixe grande, então eu sou o coringa nesse jogo de cartas marcadas.
Uma tatuagem tão bonita estava presa na tua virilha hoje à tarde, acho que era um nype de espada toda colorida, como um pensamento sessentista. E você me deu fumo e o fumo desatinou minha cabeça, e eu caí na água por causa da repressão, eu fiquei na água por muito tempo com frio e com sono, mexendo com os odores. Me joguei naquela água barrenta com corpo e alma e a água mexeu com todo meu corpo, e fez barulho na minha cabeça, um barulho de quando a água apaga o fogo.
Testemunhei o nascimento e a morte das minhas mãos, indo e voltando como um elevador, tão branca, tão pálida, tão cheia de vida. Morrendo, ficando amarela, indo lá pra baixo.
Três gostosas estavam nos amassos com mais três carinhas, todos de boné, dentro do oratório, encostado numa pedra. Umas das putinhas, infelizmente a mais gostosa, me chamou de ladrão quando eu cheguei, mandou a prima, amiga, sei lá o quê, segurar as coisas dela que estavam no chão, eu disse pra elas que eu não roubo bijuterias, nem celulares Oi A50.
E ri baixinho, e fui fumar um bec.
Eu conheço uma mulher que é o veneno personificado, é claro que ela é puta, é claro que ela é da macumba, e é claro que ela só anda com viado apesar de desdenhar a opção.
Cíntia tem um caso com um velho casado, casado com uma velha mais velha que ele, tão beata, tão mal fodida, veste branco toda sexta-feira, deve ter um pé no terreiro também, ela me disse que ele só espera ela morrer para assumi-la, na verdade não acredito que ela queira mesmo ser assumida por um velhote, fazer as escuras, pegar sua grana, e sair com o amor uma vez na vida.
Acredito que ela o ame, a não ser que muito dinheiro consiga sustentar seis de anos de vulgaridade.
Enfim, ela é branca e baixa, tem uns olhos vivos e brilhantes como de alguém que fuma crack, meio soltados para fora, um sorriso que exibe todos os dentes em perfeita linhagem, brancos já não digo. Cabelo curtinho, nem chega à orelha, raspou a cabeça para fazer santo, ela é de Nana com Oxum. Agora ela espera o cabelo crescer, agora pode pensar e almejar os cabelos longos, sem dormir e emprestar o corpo para o santo, porque toda vez que ela reclamava, ou passava a mão na cabeça e não via cabelo, o santo se manifestava até ela esquecer o que a terra não come.
Pode parecer muita pira minha, mas é como a Soma do Aldous Huxley, droguinhas criadas para vetar sentimentos, para esquecer a dor.
Ela queria atenção e fingiu ter incorporado a cocota, a mulher de exu. E ria e gargalhava aguda e desprezava todo mundo, logo depois ela virou Oxum e grunhiu, no qual Marcelo sacadamente falou:
“O que é isso gente? Oxum com cadela é?”
Gosto de reparar de longe no cinismo das pessoas, nas suas duas caras e escolher minha preferida.
Uma mulata do bundão passava rebolando seu vestido lilás com um laço vermelho grande abaixo dos seios, que por sinal eram enormes. Passava abraçada com dois homens, mais perto e mais abraçada com um homem muito feio e casado, mas cheio da grana, ela, a mulata, falou:
-Vai dormir povo!
-Imagina querida, eu tinha que ficar aqui pra ver essa cena_ Cíntia deu seu primeiro sotaque esticando o pescoço.
-Que cena meu bem? Essa aqui? É tudo falso.
-Sei. Olha pra isso, já ta em cima do homem, vai foder com os dois é?
-Que é Cíntia? Já ta bêbada é?
-Eu to ótima!
-Cuidado neguinha, a Padilha ta te avacalhando sacana.
Até lá essa discussãozinha foi narrada andando, a mulata que rebolava suas ancas com os rapazes, e Cíntia que destilava seu veneno, sentada.
Estavam numa situação de que estavam de costas para gente, a mulata soltou sua ultima dose de melanina amostrando o rabo para Cíntia e para mim, suspendeu seu vestido lilás e mostrou aquele rabão sem calcinha e foi subindo a ladeira rebolando como uma personagem de Jorge Amado, como Vadinho de Dona Flor, uma cena investida, Dona Flor nua abraçada em coque com os seus dois homens bem vestidos.
Quanto a Cíntia, ela pôs a mão no queixo, e virou os olhos no impulso de desdém, e ainda gritou:
-Ixe, pensei que era “Cu pra lua”!
Quando a mulata já descia o vestido satisfeita.
-Um cu. Grande coisa. Todo mundo tem.
-Bem... _eu disse_ Um grande cu é mesmo grande coisa, e nem todo mundo tem.
-Começando por você né traste?
-Ah, então você nem conta.
É.
É isso.
Foi tudo que eu vi e me lembrei mais tarde.

Parte onze (A parte que não existia.).
E ele me enchia de bebida para aliviar um pouco de sua culpa, e o sol hoje não ficou rosado, ficou azulzinho e era quase uma blasfêmia um dia tão bonito e eu contrastando o dia de tão triste.
Os pássaros que cantavam cedo demais para mim numa ousadia impiedosa, que se arriscavam em fios de alto nível.
Falando em ousadia, em cinco dias eu testemunhei a lua toda ousada competindo com o sol.
Uma crente muito louca que me ofereceu uma foda quente, os conchavos, os ciúmes ainda rolam, os amigos ainda me querem ver bem, mas só eu me conheço e conheço o jeito que eu sou. Sou todo amor.
Mas há quem me ache frio, a maioria de quem eu não conheço, mas há quem veja em mim o que ninguém ver, há quem eu não vejo.
Você é do tipo do cara que...
E parou para procurar a palavra certa, e nisso ficou até o fim, até esquecer de me falar de que tipo de pessoa eu sou, não que eu me importe, mas eu preferia saber, coleciono os tipos e a postura que passo para os outros numa forma de aprendizado glorioso.
Sou um Dom Quixote mais esperto.

Parte treze (A revelação exposta como uma fratura.).
A essa altura todos já sabem, todos já me conhecem e sabem que eu vacilo quando me envolvo em artimanhas sem sucesso. Imagino também que sintam pena, sou daquele tipo sincero até com os próprios sentimentos.
Por isso eu bebo demais, porque de outra forma eu estaria muito pior, a bebida tem vontade própria, autonomia que alguns não conseguem ter, é o mesmo copo e diversas bebidas que entram e sai entram e sai, assim como eu.
Entre a minha boca e a tua existe uma Berlim de dentes protetores e afiados, arrisco um sorriso para me aliar a outros tantos tão tontos por aí.
A forma de se redimir é me pagando hot-dogs caprichados que eu mal posso comer por está com o estômago saturado, e birita fraca para me tapear, mas tudo que eu mais quero é atenção focada, aí eu rastejo, vou atrás, dou vexame, dou bandeira, e quando não consigo, eu desisto, levanto uma bandeira encardida, pedindo arrego.
De um lado o gosto. Do outro lado a vocação.
Eu sou egoísta e ruim, e trato os outros mal sem querer, porque eu só me importo comigo, por exemplo, em achar uma maneira de consegui te arder sem te tocar, a barra que eu não me importo em dividir com os outros, aliás, quanto mais gente melhor.
O problema da multidão é que são muitos rostos desconhecidos, é muita gente respirando, falando e vivendo ao mesmo tempo, isso me angustia. Não saber a estória de ninguém, não conhecer alguém interessante porque existe uma casca espessa no meio que não se rompe.
Bom pra quem não sente, bom pra quem não tem essa percepção. Saber de tudo e de todas as coisas do mundo é uma danação imortal.
A noite cai de uma altura invisível e as coisas começam a dar certo para mais tarde dar errado.

Parte doze (Virginia).

Em anonimato ela caminha por aí procurando um bar, destilando sua voz mansa para aqueles que parecem surdos. Em sua jaqueta bege de botões, óculos Vuarnet na sua cara de tolinha para esconder os olhos que se olhado nem tão profundo assim, percebe a vermelhidão natural da dor e da estrada rubra. A ardência.
O Doze Passos foi mais um fracasso, no quinto passo ela saiu. Agora tenta devagar o alcoólatras anônimos, tomando suas latinhas e seus uisquinhos de vez em quando.
Tão romântica e tão tola, pertencente à raça dos homens e das mulheres que nasceram para sofrer, jogando seu maço de cigarros cítricos e suas poucas fichas na mesa, tragando Virginia, fazendo Virginia esquecer.


Um comentário:

Unknown disse...

caro Dom você escereve tão bem que nen deixa espaço pra eu fazer um comentário.
ele fala tudo...