quarta-feira, 25 de abril de 2007

Esmalte incolor


Outro dia, um louco diplomático a nostalgia impiedosa veio me desafiar com os olhos de come calmo, olhos que tentavam me pôr medo, ambos egos na entrada primitiva, egos como bandeira branca iniciando uma guerra, me veio dizer:
-Meu nome é Zangado Machado, não preciso saber o seu nome, porque não me importo, o dia vai raiar e você na minha memória vai ser apenas fragmento.
-Eu sei disso. Você na minha memória vai ser meu deboche.
Não disse, mas pensei. E quase disse, Dirce!
Éramos quatro.
-Eu não te conheço, eu não te conheço, nem você, nem tão pouco a você! E não me interessa em saber, porque não quero saber do seu nome, não quero saber do seu cabelo, quero saber de você, de como seu rosto fica sem o vernis... Quem é você, quem é você, você e você!
Ele tocou nos nossos corações.
Sentiu o meu batimento? O meu albergue? O meu copo de vinho vazio, a ultima ponta que queima meu dedo amor que arde das chamas que vai num puxo e num sopro? Puxa vida e vida sobra.
O meu coração é como a Janis Joplin sem voz, é como o rouco que não ronca como Deus, minhas dores de ouvido, a insonia que não dorme...
-Eu sou esse aqui que vocês estão vendo!
Tudo isso? O que eu estou vendo? Apenas o que eu vejo é um maluco drogado e reprimido versus eu, drogado e reprimido.
-A festa ta chata.
-É porque você não bebe.
-Você não é assim por causa do seu ponto de vista, o seu ponto de vista é assim porque você é assim.
Seria dessa forma que o delator me disse? Não sei. Mas de qualquer forma me dessarrumou, invadiu a minha casa e roubou algo que nem sei.
Nós e nossos traumas.
-O que acontece aqui é a reunião do velho e do novo, é como uma miscigenação da fotografia preto e branco, e preto e branco nada mais é que a cor cinza. E porque não falar fotografias em cor cinza?
Tenho quarenta e dois anos de tédio sem praia, de brumas em copo, não quero saber da sua idade, pouco me importa.
-Também não iria lhe falar.
-Também não queria que você me falasse que não iria me falar.
Fracassado. Como as flores que nascem em estrumes e não fedem nem cheiram.
A mão diabólica com unhas pintadas de esmalte incolor reune os bons.

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