terça-feira, 19 de agosto de 2008

Lyrismos dos bêbedos


Escalda-pés de repente só servem para os príncipes, para mim não funciona. Muita coisa tem acontecido e eu gosto dessa evolução, porque tudo no fundo evolui, eu acompanho sem entender a piada que eu não ri, num palco vagabundo. Absurdo. Displicente.

Eu seria cínico se_de alguma forma, me levasse a sério. E me fizesse de vitima, palco menor já dei vexame, me atirei à esbórnia de uma forma direta e vagabunda, perco o brio. Perco a vontade.
Três dias bêbedo, seguido. Porres horrorosos, bebedeiras homéricas, dilúvios, eu fico mais forte e ninguém consegue me segurar. Eu ganho mais força. Força de vontade, de estar ali, no meio de tantos alis e caboclos.
Para dormir é um sufoco, é uma luta, eu não quero dormir, eu gosto do estrago, fumo a bagana de tudo que me rodeia, enquanto no meu universo só há um copo de champanhe, e ninguém se importa.
De fato.
Quando eu penso na Ana C. eu tenho arrepios, algo nela me faz delirar, no seu rosto, na sua forma de olhar, ela é triste, ela tem o requinte da tristeza.
E eu sei o que é isso. Corremos sempre o risco de virar patéticos, como a Virginia Woolf, a Ana C., me lembro bem, era louca, e escrevia poemas, ouvia Maysa e chorava quase sempre de alegria. Eu, como todo mundo corremos risco de enlouquecer, sabe, de perder o jogo de cintura e jogar o pano, e eu tenho todos os ingredientes para isso, sou dado fácil a esse fator.
Eu sempre dizia para tal rapaz incrível, crivo que ele me traiu, mas isso não é para agora.
“Temos que tomar cuidado para não enlouquecer.”
Eu não lembro o que ele me dizia, era uma praga que ele já esperava me ouvir falar, infortúnio, diabos, inferno, tudo isso eu falo. A Ana C. falava também.
Eu to meio podre, seus perversos. Cheio de feridas, na verdade isso é corpo remoso, no melhor das palavras, às vezes eu penso que o meu corpo é movido de pus. Os meus dois joelhos estão esfolados por quedas ébrias e ainda não sarou, é meio ridículo joelho esfolado, todo mundo imagina a queda, tudo dói.
Ah, a dor é uma ilusão.
A dor é uma ilusão.
Que mal há ficar em casa e ouvir Maysa todas as noites, quando você prefere não sair? Nada no fundo te agrada, e sua casa é seu conforto, ta na rua é correr riscos, riscos necessário.
O meu pé quer explodir, o meu pé parece com um coração bombeando movida a um choque, eu posso brincar com o sangue que se acumula nas veias do meu pé, um inchaço. A dor é inexplicável, esqueça, indescritível.
Nunca saberão aqueles que nunca sentir o seu pé querendo explodir.
É logo no calcanhar, e eu posso sentir um formigamentozinho do pus borbulhando como um vulcão, eu sinto o sangue correr.
Tudo culpa de um espinho.
-Pode ter sido cravo. Pode ter sido vidro também.
-Porque você é tão trágica? Porque você não me diz que pode ter sido um espinho?
-Vamos ver... Do jeito que está_ arrudiou-me observando meu pé parado como uma natureza morta. Daqui há algumas horas seu pé vai ficar preto com o sangue coagulado. Não! Melhor, vai ser quando você acordar, o estado do seu pé te fará chorar, sabia?
-Você nem imagina a dor que eu to sentido, eu sinto que o meu pé pode explodir a qualquer momento, como uma fruta madura. Já pensou?
Tirou um cigarro do bolso e pôs na boca, não quis me olhar. Apenas disse, quase de repente:
-Você precisa fazer um corte.
-O que você disse?
-Um corte.
-Corte?
-Eu imagino a dor que você esta sentindo, é como ter bicho-de-pé, e é horrível, você só precisa aliviar um pouco do seu sangue. Me diz se não te tenta ver todo um sangue preso correr livre como um corte, aliviando aos poucos até passar a dor. Me diz?
-Isso não vai dar certo, isso vai foder com meu pé, com a sorte que eu tenho eu vou ter uma hemorragia, e com o corpo remoso de tanto ovo e josefina que eu como, vai se tornar uma creca lendária.
Pude ver ela rir, da cozinha. Se encostar na geladeira fria e beber um pouco de vodca, pensativa.
A três passos que eu dava eu ia no inferno e voltava, doía muito, não conseguia nem andar.
Por hora, o manco, o coxo, o aleijadinho.
O bêbedo.
A chacota da rua.
Ela veio até a mim, e com a mão na minha cintura me fez sentir o aroma inebriante da cachaça. Beijou-me e pegou no meu pau.
Mas o pé ainda era meu, e doía senhores, e como doía.

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