quarta-feira, 4 de junho de 2008

As aventuras do meu eu lírico.

Sabe quando as pessoas empacam em frente ao que você crer? E o que os outros escrevem agora já não te dá mais falta, e que você quer parar, e esquecer que é uma russa catando flores em plena neve, é fugir dos raios do Word, é aquele pra quando a internet te engana serve de quebra galho pra uma gincana. Aqueles raios que anunciam onde vão cair, são os amores intoleráveis. Que te mostra o medo em segredo no escuro para você não vê o medo por completo, e se você apagar, e se você trocar as bolas, e se você quiser se matar, você vai colocar tudo a perder, não adianta ficar sem comer, também não adianta ficar sem beber, pegue pesado de vez em quando.
Simplesmente sentir a gota de orvalho de cada manhã, como numa dessas manhãs que você acorda com um frio na barriga na sua cama espaçosa, tão fria quanto o seu lençol.
Pior é imaginar você com ela, por isso os remédios sãos os mais novos aliados de minha mãe, ela dorme de babar na fronha, mas na manhã seguinte ela sempre volta a lembrar, e na hora de tomar aquele amargo café volta a imaginar, nos dias de domingo e no seu aniversário, e enquanto a gente rezava para ele não tomar um tiro de um bandidinho qualquer que pode até ser amigo nosso.
Eu vou ser preso, ou você morto, essas pessoas se vingam? Ta na moda se vingar?

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Faço bem o tipo michêzinho londrino de pele terracota fajuta.
Michê; Gabo diria isso se me visse vestido como naquele dia.
Os trajes era um capote de senhor, verde abacate, e por baixo uma camiseta verde araçá, tom sobre tom, com uma bermuda que pesa toneladas e que me faz parecer mais gordinho, andando pesado pelas ruas fumando cigarro, procurando onde fumar, logo ali onde escurece, direcionando-se para o vicio costumeiro; vê o seu amor idiota e puro todo dia, trocar olhares entre uma ou outra partida de buraco. Esse era o vicio do homem; examinar bocetas.
Mas naquela noite o mundo deu duas voltas.

-Uma ronda?
-Eu gosto de cheirar e andar de carro pela estrada.
-Cadê o pó? Me mostra.
-Porra velho, você ta desconfiando de mim? Eu sou macaco velho, descoladão, vou te mostrar aqui na rua? Entra no carro pra tu ver.
-Não. Eu já tava indo pra casa, vou procurar um lugar pra fumar um e dormir.
Oquei.
(Dois passos e entrei.).
-Pra onde a gente vai?
-Achar um lugar pra gente dar um teco, um lugar bacana sabe?
-Só não vá pra longe.
-É logo aqui.
E subiu uma ladeira, mas ele me fazia lembrar alguém que eu não conhecia muito bem, e aquilo me angustiava. Dono das ruas, consumidor de gasolina, patrulhador da noite, eu achava aquilo anormal, anomalia, e poderia jurar que ele tomava lexotan. Dono de algumas lojas bacanas, bem de vida, porém, é mão de vaca. Como todos os pobres que ficam ricos. Como eu sei que ele é mão de vaca? Ele me disse.
Eu sei porque eu também ando com puta e baixo-astral, e já pedir que me compre cigarro, sempre negados por desculpas burocratas daquele que tem tanto dinheiro.
Eu gosto de sair por volta da meia-noite, uma hora da manhã porque eu não preciso falar com as pessoas, e minha cidade é pacata, e de madrugada ela é minha e de alguns cães aventurando um foda.
Sempre esse velho passava, olhava pra mim, acenava e eu não respondia.
Mas ele é divertido, eu até rir com ele noutro dia quando ele falava sarcasticamente mal de seus amigos.
Mas ele é divertido, eu até rir dele quando noutro dia ele falava que tinha medo de ir pra casa sozinho.
Mas ele é divertido, eu até rir dele e juntamente com ele quando quisera matar um gata siamesa só para fazer enormes carreiras de pêlos, que de demasia, fazia o Zé Canário ficar tonto e meio chapadinho, o Zé que era careta, o pelo da gata que batia onda, ele estourando champanhes achando que agora estava rico, venderia a pobre da gata aos colombianos, depois de proliferar uma dúzia, é claro.
Mas a gata morreu seca, e ele quase morreu de renite alérgica.
E toda essa estória me divertia aos horrores, e eu descobri que eu podia rir na frente daquele que eu achava um asco.
-Você gosta de Nando Reis?
-Hã?
-De Nando Reis, você gosta de Nando Reis?
-Não sei, deixa eu escutar um pouco...
-E então?
-O quê?
-De Nando Reis, você gosta de Nando Reis?
-Gosto porra.
-Porra, eu já cheirei pra caralho hoje, Paulinho não, que Paulinho não cheira mais, ele agora só fuma e toma sua cerveja sem álcool, porque diz ele que já tem álcool suficiente no sangue para ser misturado.
-Que merda é essa de cerveja sem álcool, hein? O bom de beber é ficar bêbado, são as etapas, entende? Olha, ninguém bebe por causa do gosto, bebida é ruim, tem um gosto amargo, o bom é a sensação que ela provoca, o frisson, a escassez de temor. É isso que as pessoas esperam, e eu não consigo entendê-lo.
-Vocês dois ainda vão me trair.
-Não torra. Cadê o negócio?
-Ta aqui, é um pouquinho porque eu fui quebrado, sabe como é a quebrada amiga, não é? Eu sou um cara rico, pra mim tanto faz, e eu lá vou entrar em “boca”? Quem quiser que se foda por mim!
-Esse é o problema da correria. Sempre tira o seu tanto. Eu prefiro comprar minhas coisas.
-Você é pobre, ta explicado.
-O que explica a sua mania de grandeza e o seu peito estufado é só o pó, não tem pra onde correr.
-Você quer ficar assim? Hein? Quer? Quer?
-Quero!
Zzzzzzzzzz...
-Porra, eu sempre espalho esse caralho.
-Tem nada não, tem mais aqui.
-Também esse canudo ta uma merda, faz com dinheiro.
-Anti-higiênico. Mil bactérias. Eu vou te ensinar uma coisa, é experiência de 22 anos, ta ligado né? Se você cheirar com o nariz esquerdo, você segura o canudo com a mão direita, entendeu?
-Saquei.
Zzzzzzzzzzzz...
-Aêêê garoto...
-E agora?
-O que é que tem?
-Esse som ta chato, fun.
-Fun, achei que você gostava, fun;
-Não, não gosto mais. Fun, fun, fun, que porra!
-Tem papel higiênico na gaveta, se quiser.
-Ah, obrigado. Hoje parece que eu vou ficar sem dormir. Posso fumar aqui?
-Claro, só abra o vidro do carro.
-Vamos até ali naquela outra estrada, eu gosto de cheirar e passear de carro.

Ele é mão de vaca e quer que eu o coma, eu tava com vontade de beber nem que seja anis, e isso tudo era uma tática esperta dele de passar a instiga, passear pela estrada, conversando. Fomos até perto de Cruz das almas e voltamos, conversamos sobre muitas coisas, e claro, como já é de praxe pra quem cheira, ele falava de suas riquezas, de como construiu todo seu patrimônio, de como sua família era bem colocada num estado financeiro, um lamacento show de egos. E eu também queria ficar assim, e há essa altura já engolia os restinhos amargos que ficavam na minha garganta, que descia um gosto ruim, e me deixava mais sorumbático.

-Cuidado, você vai acabar inflamando seu nariz, noutro dia eu quase morro assim. Sem respiração.

Eu ofereci um bec pra ele, viramos numa estrada de barro deserta de tudo, só lua, mato e estrelas, e claro, o bicho-grila do Nando Reis cantando.
Eu acendi, e fumamos sem conversar. Ele não quis mais fumar, disse que o barro era bom, eu tratei de terminar sozinho, e quando terminei já estava pra lá de marraquesh.
Enquanto eu tossia feito um condenado, ele estava atrás do carro se masturbando com a sua mão dolorida por causa de um tendão, eu fingi que não vi. Aquilo começava a me assustar, os atos daquele homem que eu conheci há poucas semanas superficialmente, eram atos de um pevertido.
Não esperei ele gozar sem saber que eu estava vendo, na verdade ele sabia, eu que disfarçava, pedi para irmos embora, sem passar a mensagem de que estava com medo, fiz isso tranquilamente. Aí entramos no carro, e ele tirou da carteira um saquinho de cocaína e dois cartões de crédito, fez um botão de pó. Era como numa competição de pó e maconha.

-Você quer?
-Errr... Não, eu acho melhor não. Eu já to muito doido.
-Hahaha. Adorei a resposta!

Ele preparou tudo e puf!
Sumiu o botão de pó como se fosse mágica, numa só puxada. Aquilo me surpreendeu, e eu gritei:

-Caralho! Que difudê!

E ele riu histéricamente, e disse que eu era um parque de diversão, que ele nunca havia rido tanto. Depois ele ficou me contando estórias de vinte dois anos de vida louca. Que os seus amigos de farra, fazia uma imensa carreira, dando voltas como num aspiral, e aquilo se tornava uma competição de fôlego, o primeiro com o seu canudo higiênico cheirava e parava onde agüentasse, depois vinha o próximo e fazia o mesmo, quem fosse mais longe ganhava um prêmio.
Uma overdose, eu acho.
E ele ficou tão bolado depois desse botão de pó, que começou a falar umas coisas estranhas, desandou a falar sem parar de uma estrutura chinesa de uma grande mansão que ele tem em algum lugar do mundo, e me explicava com veemência às divisões de quarto, que numa casa dava trinta e sete pessoas, e ficava me explicando as partilhas e as pessoas, numa minuciosidade de gestos e aparência dos seus trinta e sete visitantes.
O que mais me expantou foi a forma que ele descreveu as pessoas, numa só palavra: Chimpazés.
Eram pessoas terriveis, muito próxima da aparência daquelas que pegam ônibus. Olha, realmente... não me lembro agora, mas digno de um texto a minuciosidade do aspecto das pessoas que ele descrevia. Quem chegou próximo foi o Cortázar no conto "As portas do céu."
Cocaína nunca me inspirou em nada, mas ele se deu bem.
Enquanto a velocidade do carro marcava 0 à 20 por hora, e enquanto Nando Reis cantarolava com a sua voz grilada, e eu ficava cada vez mais nervoso por causa da onda também, eu achava que uma hora ou outra ele iria me esquartejar, então resolvi fumar um cigarro para relaxar o sistema nervoso.

-O fósforo ta com você.
-Porra, eu deixei o fósforo em cima do carro.
-Ah viado, deve ter caído.

Parou o carro e foi olhar. Depois volta gargalhando como uma criança pro carro.

-Não, Não! Taí! Tái! Taí em cima do capu ainda! Não caiu não!
-Porra, que sorte hein!
-Não é? Que louco isso cara... Mas, onde é que eu tava? Eu esqueci, bom, se eu esqueci foi por algum motivo, olha só, eu falo demais viu? Não liga não.
-Tudo bem. Eu também não lembro onde você parou.

Ele estava armado, eu vi a arma quando eu abri a gaveta para pegar o papel higiênico para limpar o meu nariz. Pensei em um monte de coisa, pensei em toda minha vida. Não queria morrer.

-Eu ando armado porque já fui assaltado cinco vezes.
-Entendo.

Começo a ver a estrada principal para de volta a cidade, e sorri. Graças a Deus.
Ele me deixou numa rua deserta, como se eu fosse um garoto de programa mesmo, só que nada aconteceu, não que ele não queria, muito pelo contrário. Eu é que não quis.
Ele me deixou na rua, me agradeceu por ter conversado com ele, e mandou eu ir até a praça principal para nos encontrar-mos e tomar-mos umas, porque se eu chegasse com ele seria motivo de alguma avacalhação, e seria sim.
Eu disse, oquei, tudo bem. Eu vou.
Mas não fui.
Fiquei simplesmente perdido na rua há dois quarteirões da minha casa, andava por aí pesado, com ar soberbo, imaginando mil situações, descartando 90% de todas elas, não podia ir pra casa naquele estado, deveria ir pra casa escrever, não, vou beber, vou pra rua como quem não quer nada, mas na rua é perigoso, os travestis de giletes escondidas na lingua, que ficam nas esquinas caçando moleques ficaram me debicando.
"Olha pro estado dessa criatura..."
"Quem é esse, gente?"
"É um fulano aí..."
"Olha como anda..."
"Vai pra onde assim gente...?"

E eu não sabia pra onde ia, só sei que eu queria conversar com alguém, porra, será que é pedir muito? Podia ser qualquer babaca.
Mas acabei, depois de umas voltas pela cidade, andando como um robô, indo pra casa.
Achando uns pedaços de madeira no lixo da casa da vizinha, onde eu peguei e fiz dois tamancos antigos.
Às cinco e meia da manhã eu ainda me encontrava acordado.

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