sábado, 25 de novembro de 2006

Zéfiro


São três e trinta e cinco. Madrugada. Noite e dia.
Não choro mais...
Acendo um cigarro e tomo um café fraco para misturar com o meu estado.
Visto negro para combinar com o meu humor, estou de óculos escuros para me acostumar com essa cor cinza, névoa que se apoia nas minhas pálpebras cansadas.

Estou na sacada do meu prédio, lá embaixo as pessoas parecem felizes, se divertem, estão todas fantasiadas em cúpulas populares... Velhas Convenções.
No rádio toca uma antiga canção do Bob Dylan e sua voz esganiçada, querendo chamar a atenção da cidade.

Mas ninguem liga, ninguem me liga, o telefone não toca.
Eu não sinto ninguem me sentir, estou estático, impuro, sujo, pesado.
Me equilibrando em fios de nylon.
Queria sentir tua mão gelada esquentando a minha, a tua pele, a textura, teu corpo franzino e doce do perfume que eu não sei o nome, o hálito fresco da tua boca milimetricamente perto da minha.

Tua boca cheira a cigarro, e as vezes a maconha, e eu gosto. Gosto do teu olhar sonolento e vermelho, gosto da lingua em que nossas almas se comunicam, gosto das tuas nóias e tú gosta dos meus segredos.

Não responda. Não precisamos saber a pergunta que eu não fiz.

-Falta de coragem? Quer um pouco?
-Me dá um gole disso aí?
-Sabe? Quando eu morrer, eu quero voltar em forma de tranquilizantes...
-Perto de mim. Sempre.

Há coisas que precisam apenas ser sentidas, degustadas, ingeridas. Dou uma tragada profunda no cigarro vaporoso, vejo a fumaça esvair-se no ar, como num dia em que nós dois nos eclipsaremos.
Eu que sempre fui um homem sem intervalos, mas cheios de espaços vazios...
Depois voltaremos em outra vida como gatos, espertos e rebeldes, em plena era de aquário.

Tú estas entre os meus dedos, teu cheiro impregmina minha roupa, meu corpo. Red Holliwood.
Tua lingua descobrindo a minha, causando tentações em meu corpo.
"O Cabo das Tormentas"
Um leve Zéfiro me estremece, me arrepia. Meu sexo viril lateja em meu corpo patético.
Pelo menos consta que há algo vivo, Bob Dylan grita em meus ouvidos, meu corpo renuncia, se aquece, parece que eu fui tomado por uma sucessão de demônios, nem uma puta por aqui.

Assim começo a me beijar, a me acariciar, me arranhar. Sentia um prazer mutuo, continuo...
Como se um outro tivesse me sentindo.

Não era você, não era ninguem.
Era eu.
Sentia uma espécie de narcisismo mórbido, sentia prazer comigo mesmo, pela minha carne fresca e vermelha.
"O Calcanhar de Áquiles"
Antes do gozo, subitamente minha vista embaçou, sentia tudo como se fosse a primeira vez, como se não estivesse ali, surreal. O som parou de tocar. Gozei.
Lá fora os burburinhos, o som escaldante.

Fui para o quarto, acendi a luz. Vi uma barata. Apaguei a luz, deitei, cochilei, acordei, andei pelo quarto, nada fazia sentido, proferia absurdos... O que está acontecendo?
No ar sinto cheiro de auto comiseração, essa cidade e suas pessoas, sempre perdoando suas falhas, ou será que sou eu?
Me sinto podre... Envergonhado... Enrrubecido pelo ato.

Ahnhhhhhhh!!! Minhas Costas! Ahnnnhhh! São elas, são elas!!!! Minhas asas estão nascendo!!!! Por deus, estou nascendo!!!!! Ahnnhhhh!!

Tudo muda.
Tudo ficou mudo. Não consigo mais ouvir os burburinhos, o gemido sangrento da cidade.
Pois ela dorme cansada, você dorme, a insônia dorme, e eu vôo.
Vou até a sacada, olho o céu, vejo à alvorada.
Sentia uma formidável necessidade de me atirar ao abismo, ao desconhecido.
Meus olhos exauridos aos poucos se fecham, e eu pulo no ocaso.
Até hoje ninguem sabe, creio também que ninguem viu
mas eu voei, voei para bem longe, espaços Siderais.
"A Era de Aquárius"...

Quando eu morrer, não quero ser mais uma estrela no céu, o olhar dos mortos.
Quero ser o Zéfiro.
Um vento bom em noite de lua cheia.
Quero tocar seu rosto, assanhar o teu cabelo e beijar a tua face.

3 comentários:

Anônimo disse...

DEIXE SUA GORJETA...

Anônimo disse...

Adorei..aliás eu gosto de tudo o que tu escreve..teus texto são tão crus e viscerais,e dáquando tu descreve tem tando realismo que coloca quem ta lendo exatamente na cena descrita,e dá até até pra sentir..a tristeza do descrito..Vale mais do que gorgeta tenho certeza que ainda vou te ler da maneira tradicional..página por página..

Anônimo disse...

FICO LISONJEADO NAIDE... VALEU MESMO.
QUANTO A LER MEUS ESCRITOS DA MANEIRA TRADICIONAL... BOM, QUE DEUS TE OUÇA E OS ANJOS DA BOCA MURCHA DIGAM AMÉM.