quinta-feira, 26 de abril de 2007

Limpe os olhos ao enxergar.

Dói porque colide.

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Lalande Profundis olhos de lince.


Derrepente tudo tornou-se de uma luminosidade profusa, como que se meus olhos dilatassem, como que se pussesem olhos de lince. As coisas tinham mais cores, cores de coisas, cores de vida, o verde do mato molhado ficou mais verde, fazendo cena e contraste servindo as folhas em tons amarronzados que dormem serenas em algo molhado e habitual.
Toda a minha sensibilidade parecia como uma fotografia digital. Tudo tinha mais vida e parecia que eu iria morrer naquele instante, ou então, que depois de tantos anos eu abrisse os olhos e percebesse que havia saído de um coma, seria assim com a morte?
Acordamos para morrer?
E as pessoas que morrem repentinos, sem saber que vão morrer, como os cães e as galinhas?
Será que em contato de um segundo, aquele espaço que há entre um segundo para o outro no relógio, será que não vem uma espécie de aviso também repentino? Porque seria injusto... Poderia se preparar para o fim da matéria, ao menos ao final de tudo não morreriamos como uns babacas a mercê do divino, ou de alguma sorte desapegada a mim.
Injusto saber que vai morrer?
A morte repentina vem para os desavisados! Como uma mãe que tapeia o seu filho para comer, e quando ele se dá conta, o prato está vazio e a barriga cheia.
Quanta bondade numa morte só...
A cigarra deu o seu primeiro acorde, um som estridente e unico, como uma linha reta, como seta que paira no ar, ninguem repara, talves eu só tenha reparado porque estou ficando um bocado banal, ninguem repara no barulho natural, a não ser quando sua barriga ronca, todos estão preucupados em respirar sem fazer esforço!
Derrepente me veio um pensamento absurdo, de que a morte está camuflada em cada um de nós, ela não vem, ela acorda, ela abri os olhos como eu abri, fecha teus olhos como ela fechou um dia o dela, depois em algum lugar você abrirá os olhos, somos recicláveis como objetos que não damos a mínima em cuidar!
Oh Deus... porque estou falando de morte? Porque tudo leva ao mesmo fim, porque todo rei e peão vai para a mesma caixa num fim do xadrez? Por que quando abrimos um pensamento temos que chegar a um final? E porque todo final tende a morte da próxima esquina? Não poderíamos ser felizes para sempre como nos contos infantis?
O que pensam as pessoas quando elas estão só?
Me responda ao aparecer como figurante nos meus sonhos.
As pessoas são tristes por serem vulneráveis, e são vulneráveis por já estarem tristes...
Tudo nos observa, tudo.
Eu posso sentir as flores olhando pra mim e sorrindo sardônica, os pássaros, o vento me dando um tapa, as cotovias que cochicham em segredo... as pedras sempre mutaveis.
Me surpreendo sempre com as palavras! Me pergunto, de onde saiu isso?
Penso que é como um supermercado, nas prateleiras ao invés de produtos enlatados, palavras e Palavras, palavrões...
Daí escolhemos as melhores, as que precisamos, e vamos montando, inventando... Fora o poder da folha em branco, ninguem consegue olhar uma folha em branco sem a ouvir falar: Me escreva.
Alguns as amassa e as joga no lixo.
Onde estava...? Onde estava...?
Não sei...
Caminhando pela rua, passeando por faces, e caras desconhecidos.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

A palavra mal dita.


Outro dia fui escrever um conto com uma amiga, digamos que ela era um auxilio luxuoso por me dar ideias, e eu transmitia em palavras, ela me disse com um olhar cauteloso:
-Você se incomoda se as pessoas te olharem escrever?
-Não, nem um pouco, quando eu escrevo me desligo do mundo exterior. Mas olhos voltados para mim me incomoda.
-Hum... Eu gostaria de escrever, afinal, o conto é nosso, não é?
Pensa que eu disse: "Desculpa, é verdade, toma o texto, pode escrever..."?
Sim.
Foi o que eu disse!
Mas não o que eu pensei...
Pensei: "Idiota, na verdade nem lembrava que você sabia escrever."
Agora sim, o mundo pode desabar.

Brechó


A porta estava entreaberta, convidativa. E eu vi:
Ela fumava como que se não tivesse dentes, não tinha charme nenhum visivel, talves ao segurar o cigarro longe da boca.
Era gorda e feia, seu rosto era todo dividido e o seu nariz achatado, suas rugas eram tão juntas que mais pareciam leques chineses, leques em cada olho.
O seu cabelo cheio e tingido de loiro, era falso e desgrenhado. Seu nome era Brechó, e era conhecida como feiticeira por aqueles guetos da cidade de Pelotas. E eu, aguardava ansiosamente naquele quartinho sujo, iria comê-la depois daquele cigarro.
É que a cada estudante que saía daquele quarto com cara de susto e suor escorrendo do rosto, o tempo intervalo era de um cigarro Chileno, e olha que havia uns doze quando eu cheguei, agora estou sozinho nesse quarto imundo, contando baratas e espremendo minhas espinhas, eu não deveria estar aqui... Mas de que forma eu mostaria para o meu pai que sou homem?
Ué, ter nascido com pau, gogó e pêlos no sovaco não bastavam? Não para ele.
Para mim, parece tão cru. Eu sinto que vou deixar algo para trás ao sair desse quarto com cara de susto e suor escorrendo do rosto.
A minha infância talves, a minha liberdade de transar com quem eu quiser, na hora que eu quiser, e esses pedaços de mim espalhado pelo chão, quem vai juntar?
E se não subir?
Ai deus meu, ela é o estupor vivo! O que meu pai queria? Me presentiar, ou me castigar?
-Me desculpa a demora.
A rouquidão vinha com o sorriso.
-Hãn? Não, tudo bem.
A gagueira saiu com o medo.
-É que quando eu fumo eu penso na vida, e quando eu penso na vida, eu me desligo...
Ela falava tudo gesticulando, sem medo de se desmontar na minha frente, foi até o criado mudo completamente muda, rebolando suas ancas pelancudas e alcançou um frasco de perfume desses franceses, borrifou três vezes em seus seios enormes.
-Oh céus, acho que exagerei no perfume, estou até tontinha... Você se importaria se eu tomasse um banho rapidinho?
-Não. Eu acho uma boa a senhora tomar um banho, afinal, foram doze estudantes que sairam da senhora.
-Dez cabaços xuxu, virgens são limpinhos!
-Mas... a senhora não é virgem.
-Oh, claro que não, não é mesmo? Mas sou limpinha, e sei embalar muito bem bebês com o meu canto. Espera só mais uns minutinhos, eu já volto.

E a sensação veio e voltou como um balanço, como uma balada sem som, a namorada sem roupa, a estrada sem caminho, o caminho sem andante, sentiu-se no abate.
Esperou por cinco minutos.
Uma porta se abre, é a porta da frente, sempre calada. E ele sai com cara de susto e suor escorrendo do rosto.
A mulher gorda havia morrido em seus braços.
Ele era foda numero treze.

O comunista anacrônico.


Defendendo tudo que é bom e corajoso, ele desfilava numa passarela de calçada sem cicerones , calça surrada, aspecto imundo, mente fresca, ideias para dar, nunca para emprestar, jamais para vender.

Por isso que quem vende ideias não presta.

Ele defendia um ideal, ele tentava se salvar, ele tentava salvar os outros. Esquecia dele e lembrava dos outros, lembrava dos outros e esquecia dele. Não era mutuo nem mutável, era um dom complicado de se dar, a bondade encrostada numa alma ruim, uma ânsia de vômito ao ver gordura no prato mal lavado, o catarro mal escarrado dar dó, porque foi uma saída frustada.

Gritava: Viva o Comunismo!

Mas ninguem repetia viva!

Nada. Era o fiasco. Comida fria.

Era só ele! As calçadas, talves sapatos e calça surrada se estavam lá tambem eu não sei, só sei que não gritavam junto.

Os deuses preparam uma avenida sem confetes, e ele passou como uma caravana.

Mas lá não havia cães.

Esmalte incolor


Outro dia, um louco diplomático a nostalgia impiedosa veio me desafiar com os olhos de come calmo, olhos que tentavam me pôr medo, ambos egos na entrada primitiva, egos como bandeira branca iniciando uma guerra, me veio dizer:
-Meu nome é Zangado Machado, não preciso saber o seu nome, porque não me importo, o dia vai raiar e você na minha memória vai ser apenas fragmento.
-Eu sei disso. Você na minha memória vai ser meu deboche.
Não disse, mas pensei. E quase disse, Dirce!
Éramos quatro.
-Eu não te conheço, eu não te conheço, nem você, nem tão pouco a você! E não me interessa em saber, porque não quero saber do seu nome, não quero saber do seu cabelo, quero saber de você, de como seu rosto fica sem o vernis... Quem é você, quem é você, você e você!
Ele tocou nos nossos corações.
Sentiu o meu batimento? O meu albergue? O meu copo de vinho vazio, a ultima ponta que queima meu dedo amor que arde das chamas que vai num puxo e num sopro? Puxa vida e vida sobra.
O meu coração é como a Janis Joplin sem voz, é como o rouco que não ronca como Deus, minhas dores de ouvido, a insonia que não dorme...
-Eu sou esse aqui que vocês estão vendo!
Tudo isso? O que eu estou vendo? Apenas o que eu vejo é um maluco drogado e reprimido versus eu, drogado e reprimido.
-A festa ta chata.
-É porque você não bebe.
-Você não é assim por causa do seu ponto de vista, o seu ponto de vista é assim porque você é assim.
Seria dessa forma que o delator me disse? Não sei. Mas de qualquer forma me dessarrumou, invadiu a minha casa e roubou algo que nem sei.
Nós e nossos traumas.
-O que acontece aqui é a reunião do velho e do novo, é como uma miscigenação da fotografia preto e branco, e preto e branco nada mais é que a cor cinza. E porque não falar fotografias em cor cinza?
Tenho quarenta e dois anos de tédio sem praia, de brumas em copo, não quero saber da sua idade, pouco me importa.
-Também não iria lhe falar.
-Também não queria que você me falasse que não iria me falar.
Fracassado. Como as flores que nascem em estrumes e não fedem nem cheiram.
A mão diabólica com unhas pintadas de esmalte incolor reune os bons.

quinta-feira, 5 de abril de 2007

O Céu.

Quando troveja, as pessoas têm o costume de dizer que Deus esta fazendo faxina no céu...

Quando algo bom acontece aqui na terra, eu sinto cheiro de sabão.

O observador de Plácido.


Saco vazio não para em pé, as palavras de minha mãe saiam doce e nítida, como um morango. Corpo vazio também não para em pé, por isso vou longe, tomo chá mofado com água morna, purifico-me. Ainda vou longe... O que dizer sobre o jejum dos sarcedotes? Por que puro se encontra a sensação extrema? O nirvana.
Hoje eu recebi uma visita, um amigo de longa data que há muito tempo não via, a sujeira dos seus pés ainda estão marcados no tapete da entrada da minha casa, escrito "Bem vindo", ele sentou no meu sofá amarelo desmaiado, cruzou as pernas sem fim, acendeu seu Derby e fumou plácido. Sim! Ele dava jus ao nome, pelo menos só quando fumava. Plácido de Souza!
-Uma cerveja?
-Claro.
Despejei o liquido espumoso e amarelado cor de cabelo da vizinha ao lado no copo de vidro listrado, ele bebeu numa só golada, de vestígio ficou a espuminha da cerveja em seu bigode e um arrotinho discreto. Ele me falou de sua vida, de mudanças, de comportamento, de seu emprego novo, observar passarinhos deitado em sua rede, o observador de pássaros, eu achei graça, ele ficou serio, contrito em seu pensamento, e depois de uma longa pausa continuou a falar sobre o seu emprego novo, de como era divino analisar um pássaro pelo seu canto, adivinhava tudo, raça, cor, e imitava o canto num assobio bonito, olha aí! É falando que se lembra!
Plácido não lembrava do seu primeiro pássaro, agora ele sorriu, expandindo aqueles dentes tortos todo amarelado de nicotina e vinha, e a sua gargalhada era toda singular, era inibida, sarcástica, cobria a mão com a boca para ninguém notar seus dentes todos tortos e amarelados. Plácido era triste, seus olhos denunciavam. E estavam muito mais hoje, ele me dissera que se sentia deprimido ultimamente, desde a morte de sua esposa, tinha um semblante serio, conversava como que se discutia, a dor era como uma fruta podre, uma cabeça destrinchada, eu dizia a Plácido que não sabia lhe dar com ela.
-Com o tempo a gente aprende.
-Aprende, aprende, aprende.
-Quem falou?
Era o meu filho que estava sentado na escada desenhando, repetia as ultimas palavras de Plácido numa intensidade estranha.
-Não sabia que você tinha filho.
-E eu não sabia que você era observador de pássaros.
-O que há com ele?
Não há nada com ele, ele é o amor que eu consigo sentir, ele é tudo que se resume em amor, ele era o meu filho, meu pai, não há nada com ele, ele era apenas diferente dos outros garotos.
-Ah! Um esquizofrênico!
As palavras de Plácido saíram junto com a fumaça, irônica, preconceituosa, foda-se ele e suas palavras!
Estremeci por um segundo, um arrepio silencioso, uma mão abusiva e fria tocou minha nuca, um gosto ácido. Queria que ele fosse embora, mas não foi, grudou como um encosto em meus azulejos, não havia mais conversas, não havia mais clima. Duas horas depois ele se foi, trocamos idéias, mãos e digitais. Foi-se. Meu filho, da escada olhava constantemente para o relógio.
Tic... Tac... Tic... Tac...
-Ele já foi?
-Já filhão. O que houve com você?
-Não vê pai? Não sente? Olha as flores no jardim, elas estão murchas, as folhas secaram, e pode ver na cozinha, todas as frutas estão podres... E eu estou como elas.
Lembrou-me do filho que fui e do filho que tenho.
A energia murcha as flores, outras energias paira a alma, é por isso que quando ele vai a escola, eu fico rindo sozinho que nem bobo.

Murmúrios Legais


Às vezes, quase sempre, quando murmuro me sinto livre, é como uma liberdade contida na boca, aprisionado por algo feito vernis, pano branco preso na boca, faixa, vetamento, censura. Sai liberta ao sopro.
Uma vontade de comer a cenoura do jeito que ela nasceu, sem química, sem tempero que a faça ficar importante.
É apenas uma cenoura!
Minha mente antes de murmurar fica oca, é ampla e chata, totalmente acolhedora e esnobe, e ignóbil e sublime. O segredo da eternidade passeia por minha janela, se mistura aos transeuntes, toma chuva, toma sol.
Eternidade... Por que quando pensamos ficam ocultas as reticências? Por que ela só aparece para os poetas no papel? Eternidade... Me lembra universo, buraco escuro, brilhante e irritante como o natal, eternidade também me lembra grande, impalpável, insuportável viver com um superior, com algo maior do que você, acabamos por nos tornar sua sombra e idéias entram em colisão.
Ah! Como tu és pura... Torna-te abstrata, surreal, límpida, como se não pudesse ver, me embrulha o estômago só de pensar.
Quantos seres humanos vieram do pó? Quantas pessoas saíram de apenas uma costela de Adão? E quantas descenderam do macaco?
O corpo e o espirito têm viagens diferentes, o corpo é lento, fica ali inerte numa mesa, tomando café e fumando um cigarro, o espírito não, esse flui, conclui, anda pelos cômodos da casa, é inquieto.
Só fazendo sexo que o meu corpo e espírito juntam-se e faz um bom trabalho.
-Você ta fumando maconha seu vagabundo? _Minha mãe dizia_ Eu não lhe digo nada, você sabe muito bem o que acontece quando se envolve com essas coisas, você não é idiota! Aliás, é sim! Olha a sua cara, já se olhou no espelho menino?
-Já.
-E o que viu?
-Pupilas dilatadas.
-Ah é? Eu vejo um drogado! Um perdido! Mas você não se enxerga? Não tem vergonha na cara e juízo na cabeça?
-Não dar mãe, ela anda cheia e o juízo tem problema de respiração.
-O quê?!
-É.
-Olha, eu só vou te dizer uma coisa, as conseqüências vem depois, com um tempo!
-Claro ô! Não ver a larica pô, mô fome que dar depois... Por falar nisso, o que é que tem pro rango?

O Anti-herói

Me espalho e me torno popular, se eu for popular não serei mais eu, serei dos outros. Popular.
As pessoas são populares? Até que ponto?
A musica não, a musica é como a fênix, tem diversidade de cores e sons, uma vez repetida torna-se popular. Os poemas, alguns são populares.
Ah, a fama... A fama é tão clichê!
O poeta do submundo se contempla e cospe a si mesmo no porão escuro lá embaixo, onde ninguém vê o escuro ungüento. Apenas sente.
Mas até quando?
E essa necessidade de se mostrar de alguma forma? Como se explica? Todo mundo precisa que pelo menos uma pessoa em milhares goste dela, até mesmo os anti-sociais, até mesmo que finja.
Ninguém consegue ser só sem amargar a boca com o gosto do fel. Precisamos de uma pessoa que finja ou fale a verdade!
É por isso que eu me esforço para parecer com gente, porque gente ama gente, e por isso não posso ser estranho.
-Ta esperando o quê? Descer o anjo Gabriel com a decisão?